[ESPECIAL] Os desafios das mulheres que são a voz feminina nos esportes americanos
O novo espaço feminino nos esportes na TV, na internet e como o preconceito é encarado; confira a reportagem
No mês passado, Cam Newton, quarterback do Carolina Panthers, fez um comentário machista numa pergunta da repórter Jourdan Rodrigue, dizendo que “era engraçado ouvir uma mulher falar sobre rotas”. Isso repercutiu e causou problemas para o jogador, que acabou se desculpando com a profissional, não sem antes perder até patrocínios.
Newton, claramente, vive num mundo paralelo e não percebe que dia após dia as mulheres estão inseridas no esporte nas mais diversas funções. Não há mais motivo, no século XXI, para achar que uma pessoa do sexo feminino não pode saber tanto quanto alguém do sexo masculino sobre rotas, impedimentos, pick-and-roll e por aí vai.
Não é novidade para ninguém que, cada vez mais, a mulher está conquistando seu espaço em todo o mercado de trabalho, ocupando cargos de liderança. No esporte americano, nosso assuntos aqui, isso não é diferente, e as barreiras se quebram todo dia, seja com o aumento de repórteres e analistas femininas ou a quantidade de perfis esportivos nas redes sociais feitos por garotas. No Brasil, segundo a ESPN, elas representaram cerca de 40% da audiência na transmissão do último Super Bowl. No The Playoffs, cerca de 15% do público em geral do site já é de mulheres.
A contratação de comentaristas mulheres, tanto aqui no Brasil como no mundo, mostra que a dinâmica de opiniões também está mudando, já que, mesmo no mundo moderno, a palavra da mulher nos esportes ainda era subestimada (e para alguns, ainda é). 2017 foi um ano crucial para esse acontecimento, então vamos relembrar alguns casos recentes nos esportes que mostram como devemos o devido respeito a elas.
Beth Mowins, a primeira mulher a narrar um jogo de NFL
No começo dessa temporada da NFL, a ESPN americana anunciou que o segundo jogo do Monday Night Football da semana 1, entre Denver Broncos e Los Angeles Chargers, seria narrado por Beth Mowins, uma voz feminina conhecida em partidas universitárias, que nunca tivera uma chance de se provar em jogos de temporada regular das grandes ligas.
A aprovação foi imediata e Mowins fez um grande trabalho naquela partida, sendo uma pioneira para as mulheres nas cabines profissionais do futebol americano.
Paula Ivoglo e Alana Ambrósio: o legado de Beth no Brasil
Ao mesmo tempo que Beth continuava a impressionar nos Estados Unidos, aqui no Brasil as coisas também estavam mudando. A ESPN brasileira contratou duas analistas mulheres para os times de comentaristas de NFL e NBA: Paula Ivoglo e Alana Ambrósio.
Paula é a criadora do site NFL de Bolsa e tinha sido chamada algumas vezes para dividir a cabine com os famosos narradores e comentaristas da emissora antes de ser contratada em definitivo. Alana é repórter da rádio CBN, e já havia participado algumas vezes dos programas sobre esportes americanos da ESPN, sendo contratada junto com Paula para falar de NBA.
“As mulheres são parte da história da ESPN no Brasil e no mundo. Ganhamos o reforço de duas especialistas em ligas americanas, trazendo um novo olhar para a NFL e NBA, ligas que crescem a cada ano no mercado brasileiro, inclusive entre o público feminino”, destaca João Palomino, vice-presidente de Jornalismo e Produção da ESPN.
Todas as mulheres têm voz
Não é só nas grandes mídias que as mulheres buscam espaço. Na internet, vários perfis sobre todos os esportes surgem a todo momento, com a intenção de mostrar que a audiência feminina aumenta a cada dia, e isso é um fato. Nas olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016, cerca de 42% da audiência foi de mulheres, chegando a 47% na paralimpíada, segundo Bianca Maksud, diretora de marketing e produto dos canais esportivos da Globosat, em entrevista à ESPN.
Abaixo separamos três depoimentos de mulheres que não só amam os esportes americanos, como resolveram fazer algo para mudar o status quo. Na própria internet, elas encontraram espaço para fazer a diferença.
Talita Santos, a única mulher da equipe do The Playoffs
Se o The Playoffs apoia tanto a causa, porque só tem uma mulher na equipe? Bom, primeiramente, vale dizer que ela não é a única que passou por aqui nos três anos de existência do site, pelo contrário. Entre idas e vindas, porém, a Talita é nossa representante atual da geração de mulheres que amam esportes americanos. De verdade, adoraríamos que esse número possa aumentar em breve para que tenhamos algo mais equilibrado e próximo à realidade atual do nosso público. E trabalhamos para isso.
E se todas nossas próximas redatores forem como a Talita é, certamente será uma honra poder recebê-las na nossa equipe. Ela, além de colaboradora aqui no TP sobre futebol americano, é também jogadora de flag football do tradicional time do Jaraguá Breakers. Confira o depoimento dela sobre nosso tema.
“Eu comecei a escrever em 2009 pra um jornal local e lá eu falava sobre assuntos da adolescência, entre eles o esporte. O que mais me motivou a escrever sobre futebol americano é a paixão por essa modalidade que me cativa desde 2013, quando comecei a acompanhar efetivamente o esporte e não larguei desde então. Já me senti lesada no ambiente esportivo por ser mulher e ainda passo por isso até hoje! Mas é algo que sinceramente não me afeta. Sei do meu conhecimento e estudo demais para estar no nível mais alto possível. O esporte sempre foi visto como algo masculino, mas meu pai sempre foi meu maior incentivador em buscar conhecimento esportivo. Eu me motivo diariamente para servir de exemplo para as meninas, que por muitas vezes já vi terem muito talento para isso mas vergonha de se mostrar por medo das críticas. E minha personalidade mais forte fez com que eu não tivesse medo de correr atrás dos meus sonhos e vontades, devo tudo isso a eles e digo que a mulher pode sim ser o que ela quiser, basta ter força de vontade e trabalhar para conquistar seus objetivos”.
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Isabella Bonafonte, do Torcedores.com
Com certeza, Isa foi a garota com mais paixão pela profissão de jornalista e por esportes que eu já falei. Fã de Kobe Bryant e do New England Patriots, sempre se portou com muita classe diante de todas as dificuldades que apareciam durante os estágios e artigos que escrevia, mesmo que seja difícil, já que o ambiente machista passava do limite em alguns momentos.
O TP repudia qualquer demonstração de preconceito contra qualquer pessoa no ambiente esportivo, que é o nosso foco. Seja machismo, racismo ou qualquer coisa que possa deixar o menor rastro de ódio no mundo. Confira o que ela falou para nós.
“Comecei de uma maneira meio calculista. Eu não decidi que seria jornalista, eu nasci jornalista e aficionada por esportes. Mas quando me dei conta disso pensei que não poderia ser como tantos e ficar presa ao futebol e foi nesse momento que me deparei com os esportes americanos, que tem esse potencial tão grande e estão em ascenção no Brasil e então foi o encaixe perfeito. No Torcedores.com certamente não tive problemas, o ambiente é incrível e os editores são muito justos. Mas fora de lá descobri que nem sempre é fácil e muitas vezes a gente ouve coisas impróprias de jogadores, da torcida e até de técnicos. O que a gente menos espera é que essa atitude venha de companheiros de trabalho e até de superiores, mas acontece sim e isso pode até se tornar mais sério. Eu me desvinculei de um ambiente ruim pelo qual passei, mas muitas ficaram e eu sei que segue acontecendo, infelizmente. Acredito que tudo o que é desafiador me atrai. Enquanto estou fazendo uma entrevista ou um texto, enquanto estou trabalhando, sou uma jornalista, uma profissional e exijo que o outro seja tão profissional quanto eu. As vezes é preciso se impor sim, mas eu gosto de pensar que quando eu o faço, outra nao precisará fazer. É preciso trabalhar nisso pra tirar da cabeça de muita gente que a mulher é menos competente ou capacitada do que homens pra falar de esporte e eu me sinto feliz e recompensada fazendo isso. E esse é o caminho, ver que essa evolução vem acontecendo, mesmo que seja em passos de formiguinha, e deve ser a recompensa de todas nós”.
Gabi Ferrarini, responsável pelo NHeLas
Gabi foi um caso a parte. Ela é o retrato do novo cenário que estamos tentando fazer no esporte. O apoio que ela recebeu ao criar o seu perfil é o que nenhuma das outras duas recebeu quando começaram. Isso é bom, pois a comunidade do hóquei se uniu para ajudá-la, e as dos outros esportes também a abraçaram. Essa é a mensagem que estamos tentando passar. Precisamos expandir nossa mente e dar o mesmo apoio para os meninos como para as meninas. Com a palavra, a Gabi:
“Meu primeiro contato com o hóquei foi no começo desse ano, quando eu fui fazer intercambio pra Vermont. Lá eu assistia todos os jogos da faculdade e comecei a me interessar pela liga. Eu voltei e conheci a Mafe, que já gostava e sabia muito sobre o assunto, e a ideia veio quando a gente viu o NFL Luluzinha Club, de futebol americano. Daí eu falei pra Mafe, ela topou e a gente começou. A Marcella entrou porque queria fazer parte do projeto e começou a estudar sobre o esporte, e aí começamos. Meu interesse por esporte veio com os esportes americanos. Meu irmão começou a assistir e eu via junto. Comecei a ver cada vez mais, e entender, ir em jogos lá fora e assim foi. Tem uns seis anos que eu acompanho esportes desse jeito. No meu ciclo social nunca tive problemas, e foi até uma grata surpresa que quando a gente começou com o projeto, o pessoal na internet apoiou muito. Eu esperava que fosse ter um preconceito, e que fossem falar que mulher não sabe falar sobre esportes, mas não. Foram diversas mensagens mostrando muito apoio. Mas eu sei que com certeza a gente ainda vai encontrar essa barreira um dia. Eu me motivo cada vez mais em ta acompanhando e divulgando e fazendo meu trabalho, os jogos acabam tarde, eu tenho que estudar cedo, trabalhar a tarde e estudar a noite, mas eu não desisto porque realmente a resposta é muito positiva. Eu acredito que para você ter uma voz, você tem que começar falando, indo atrás e fazendo. Acho que não pode desistir e, principalmente, se a oportunidade não vem, você tem que fazer a sua. A internet tá aí pra isso, e cada vez mais eu acredito que o espaço da mulher no esporte está aumentando”.
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Onde se pode mudar para que a opinião feminina possa parar definitivamente de ser uma piada do século passado? Os tempos mudaram e, cuidado, homem. Seja jornalista ou de qualquer área, escolha bem as palavras pois, qualquer dia, o seu pensamento atrasado fará de você a piada. É hora de aceitar, elas chegaram e chegaram para ficar.
(Fotos: Reprodução vídeo; arquivo pessoal; Divulgação ESPN)