[ENTREVISTA] Barry Larkin e Steve Finley abrem o jogo
Barry Larkin e Steve Finley falam sobre WBC, nível do beisebol brasileiro, Hall da Fama e muito mais
É grande o número de responsáveis pela melhora do nível dos jogadores brasileiros de beisebol, mas dois ex-atletas da MLB são fundamentais nesse processo que já dura quase uma década: Barry Larkin e Steve Finley.
Desde o primeiro Elite Camp, ambos viajaram constantemente ao país, participaram das sessões de treinamento e contribuíram com o esporte competitivo, já que Larkin foi o técnico do Brasil no World Baseball Classic de 2013 e na classificatória de 2017, sendo que nesta última Finley foi o técnico de rebatidas.
Um dos maiores shortstop da história, Barry Larkin atuou por 18 anos com o Cincinnati Reds (1986-2004), time da cidade em que nasceu, ganhando a World Series de 1990 e sendo eleito 12 vezes para o All-Star Game. Ele foi eleito MVP da temporada 1995, conquistou três vezes o Gold Glove, de melhor defensor da posição, e três vezes o Silver Slugger, dado ao melhor rebatedor. Já Steve Finley atuou de 1989 a 2007 por Baltimore Orioles, Houston Astros, San Diego Padres, Arizona Diamondbacks, Los Angeles Dodgers, Los Angeles Angels, San Francisco Giants e Colorado Rockies. Além de vencer a World Series de 2001, com os Diamondbacks, participou duas vezes do All-Star Game e levou cinco vezes o troféu Gold Glove, como um dos melhores outfielders do ponto de vista defensivo.
Os dois voltaram ao país neste final de janeiro, participando no sábado (28) da inauguração da Academia MLB Brasil, instalada no CT Yakult, em Ibiúna, como a fase complementar (e de longa duração) do Elite Camp. Dois dias antes, Larkin e Finley gentilmente receberam a equipe do The Playoffs no Estádio Mie Nishi, a casa do beisebol em São Paulo e no Brasil, para uma ótima entrevista, que você confere abaixo.
The Playoffs – Se você tivesse que se apresentar a uma sala repleta de desconhecidos, como o faria?
Barry Larkin – Meu nome é Barry Larkin, eu joguei como shortstop do Cincinnati Reds (de 1986 a 2004), eu nasci e cresci em Cincinnati e ganhei a World Series de 1990. (Nota do site: Barry Larkin não mencionou o fato de ter sido eleito para o Hall da Fama em 2012, com 86,4% dos votos, sendo o único escolhido naquele ano.)
Steve Finley – Meu nome é Steve Finley, eu atuei por 19 anos, em oito franquias, ganhando a World Series de 2001 com o Arizona Diamondbacks, e me orgulhava muito de minha defesa, ganhei o Gold Glove (Luva de Ouro) cinco vezes. (Nota do site: Finley foi também o primeiro jogador da MLB a atuar pelas cinco franquias da Divisão Oeste da Liga Nacional: Diamondbacks, Colorado Rockies, Los Angeles Dodgers, San Diego Padres, San Francisco Giants.)
The Playoffs – O que faltou para o Brasil na classificatória do WBC de 2017?
Larkin – Muita coisa. Eu acho que tivemos um time muito sólido durante o torneio, mas não jogamos bem. Arremessamos incrivelmente bem, mas não rebatemos e não atuamos bem, de forma consistente, na defesa. Um dos nossos méritos no WBC de 2013 foi ter atuado bem na defesa e conseguir rebatidas importantes nos momentos-chave, mas nosso grupo de arremessadores não acompanhou a força do restante de nosso jogo.
Tudo mudou agora. Nosso grupo de arremessadores foi muito bem na classificatória do Brooklyn, mas não conseguimos a rebatuida-chave, nos momentos decisivos, e não fomos bem na defesa.
Finley – Concordo com o Barry. Nossos jogadores conseguiam chegar em base, criamos muitas oportunidades no ataque, mas não conseguimos as rebatidas, com homens em base, para garantir as corridas. Nem sempre o melhor time vence, eu acho que isso foi o que aconteceu na classificatória: eramos tão bons quanto os outros times (Grã-Bretanha e Israel), mas não conseguimos as rebatidas para garantir as vitórias.
The Playoffs – A situação teria sido diferente se Paulo Orlando e Yan Gomes estivessem no time?
Larkin – Eu acredito que sim, e não apenas porque eles são tão bons. Quando eles estão no lineup, você se sente menos pressionado a tentar ser “o cara”. Em alguns anos de minha carreira, eu joguei muito bem, e esses anos ocorreram quando eu tinha, por exemplo, um cara como Steve Finley rebatendo depois de mim. Quando não atuei tão bem, eu tinha um jogador pior rebatendo depois de mim.
O arremessador não vai enfrentar quem está atrás de mim, ele vai tentar me enfrentar. E eu não vou sentir a pressão de tentar resolver tudo, pois sei que preciso apenas chegar à base, e ele vai conseguir a rebatida para que eu anote. Acho que se Paulo Orlando e Yan Gomes estivessem no time, teríamos enfrentado essas situações de um jeito mais confortável.
Finley – Os dois jogam na Major League Baseball, e se jogam na MLB, é por um motivo, porque são bons. Os jogadores que integraram a seleção eram bons, mas claro que você gostaria de contar com quem atuou no torneio de 2013, que tiveram aquela experiência, porque isso tira a pressão de quem não estava no time em 2013.
Eu gosto de jogar golfe, e sei que se eu jogo com alguém que não tem um bom nível, minha tendência é reduzir o nível. Já se eu jogo com alguém um nível acima do meu, a tendência é que eu tente buscar um nível maior. Nós estamos tentando elevar o nível do jogo no Brasil, para que mais jogadores cheguem à MLB como Paulo, Yan, e tomara que Leonardo Reginatto e Thyago Vieira também cheguem lá rapidamente.
The Playoffs – Houve alguma polêmica no Brasil sobre o fato de Israel contar basicamente com jogadores americanos com ascendência judaica. Qual é a opinião de vocês sobre isso?
Larkin – Coloque o uniforme, jogue o jogo. Não importa quem está lá, precisamos vencer.
Finley – Concordo. Regras são regras, e todo mundo segue as regras do campeonato. Isso não é algo que podemos controlar, só podemos controlar nossa equipe, colocar eles em campo e tentar vencer quem está do outro lado.
The Playoffs – Não há garantia de que o WBC será disputado em 2021. Se isso acontecer, qual vocês acham que é o teto para esse time do Brasil?
Larkin – Acho que esse é um ótimo momento para o beisebol no Brasil. Você tem os jogadores mais experientes, acho que havia três jogadores com 40 anos ou mais no elenco da classificatória do Brooklyn, e Eric Pardinho tinha 15 anos na época. Eu acho que os veteranos vão retribuir, e passar o que viveram no beisebol aos novatos. Se o WBC voltar, acho que haverá uma ótima transição, e além disso, a chegada de um programa de longa duração da MLB fará o nível crescer, certamente de forma incremental e, espero, de forma exponencial.
Isso deve trazer melhores jogadores e maior competição, pois essa é a única forma de você aumentar o nível. Os arremessadores parecem estar à frente neste processo, e agora você vai colocar jovens rebatedores contra jovens arremessadores, e isso vai fazer com que eles também evoluam.
Finley – Espero que, se formos novamente convidados para fazer parte da equipe brasileira, o talento e as mudanças que acontecem com o beisebol no Brasil, façam com que a gente tenha dor de cabeça para fechar o elenco. Neste WBC, procuramos os jogadores que tinham talento e que se encaixavam e podiam jogar, e espero que em breve tenhamos problemas porque vamos deixar bons jogadores de fora com uma competição sadia e de alto nível pelas vagas.
The Playoffs – Há uma nova geração de arremessadores brasileiros, incluindo Thyago Vieira, Luiz Gohara e Daniel Missaki. O que vocês podem dizer sobre eles?
Larkin – Não somos especialistas, técnicos de arremessadores, mas eu treinei Thyago e Daniel, e queria ter tido a oportunidade de trabalhar com Gohara. Os três são muito talentosos. Thyago consegue arremessar entre 94 e 98 milhas por hora, com movimento, ele comanda os dois lados da zona de strike, isso é algo especial. A questão para ele é repetir isso, porque ele será testado neste ano.
Gohara é canhoto, tem muito talento, não há dúvida, mas precisa provar que está focado, isso é um desafio. Eu adoro Missaki, quando estávamos na classificatória do WBC em 2013, estávamos em um momento-chave contra a Colômbia, eu chamei o (Thiago) Caldeira, técnico de arremessadores, e perguntei se Missaki conseguiria sair daquela situação complicada.
Ele me disse que achava que sim, mas ele tinha apenas 16 anos e tendo que enfrentar jogadores da MLB com colombianos em base. Eu sinto que Missaki tem muita confiança, mesmo quando era tão jovem ele já tinha isso, e eu precisava mostrar que confiava nele. Ele consegue sair daquela situação, e no fim do inning, estava cumprimentando todo mundo, eu o chamei e perguntei se ele sabia quem havia eliminado.
Quando contei quem eram, ele ficou surpreso com o que havia conseguido. Espero que ele consiga se recuperar da cirurgia, ele é especial, tem o coração de um guerreiro, e eu o adoro. E não termina nos três, Bo Takahashi é fantástico também. Há algo sobre os arremessadores daqui, Murilo Gouveia, eles têm muito orgulho.
Quando estive aqui pela primeira vez, minha impressão é de que se combina o estilo japonês, de muito treino e disciplina, com a paixão pelo jogo, algo típico do latino, que também vi quando estive na República Dominicana. É assim que você deve enfrentar o jogo. Claro, há também o (André) Rienzo, que é apaixonado por tudo, uma paixão impressionante. Todos eles são muito orgulhosos, e eu tenho muito orgulho de ter comandado eles.
The Playoffs – Qual é a importância da Academia MLB Brasil na melhoria do nível de jogo no país?
Finley – Eu tenho visitado o Brasil nos últimos três ou quatro anos, e vi bons jogadores surgindo em todos esses anos. Acho que com a Academia MLB Brasil, com o trabalho do Caleb (Santos-Silva, coordenador de Desenvolvimento Internacional da MLB) para aumentar o conhecimento e massificar o jogo, com caras na MLB, Paulo Orlando ganhando a World Series, tudo isso ajuda a divulgar o jogo.
Em Ibiúna, durante o Elite Camp, a gente conseguia reunir os principais jogadores e os técnicos para trabalhar conosco, e nosso conhecimento era compartilhado para que, voltando às suas cidades, esses jogadores e técnicos ajudassem seus colegas, esse foi o programa desde que vim ao Brasil. Agora, você terá técnicos aqui durante todo o ano, ajudando os jogadores ao longo dos 12 meses, e o desenvolvimento será muito mais rápido.
Larkin – Eu concordo. Uma presença diária é muito importante, e a academia cria uma espécie de ponto central no Brasil, na América do Sul, na verdade. Ibiúna será o local para ir se você quiser ser o próximo Yan Gomes, o próximo Thyago Vieira. Acho que isso quebará barreiras entre países, teremos atletas de outros países da região buscando vir ao Brasil por conta da presença diária dos técnicos. Espero que isso atraia jogadores mais jovens, quando precisam escolher entre futebol e outros esportes, que escolham o outro esporte, no caso o beisebol.
The Playoffs – Finley, você trabalha no San Diego Padres, e terá a oportunidade de trabalhar com o Andre Rienzo, dele começar a temporada na MLB. Com a franquia em um processo de reconstrução, você acredita que ele terá chance de começar a temporada na MLB? Ele deve ser titular, reliever ou closer, como jogou com o Triple-A dos Marlins em 2016?
Finley – Estava conversando sobre isso enquanto vinha para cá. Acho que os Padres são uma ótima oportunidade para Rienzo, porque estão em processo de reconstrução e, com sorte, ele terá “uma posição a perder” durante o Spring Training: se for mal, está fora, mas se atuar bem, deve estar no elenco.
Se começar bem, ele abrirá as portas para ser titular em alguns jogos, atuar como long reliever ou mesmo ser uma arma no fim do jogo, até pela experiência como closer. Ser versátil garante muitas oportunidades para os arremessadores, os Padres precisam disso, e acredito que a franquia vai gostar muito da paixão e energia que ele mostra em campo.
The Playoffs – Vocês jogaram com/contra Jeff Bagwell, Tim Raines e Ivan Rodriguez, eleitos para o Hall da Fama em janeiro. O que podem falar sobre eles?
Finley – Eu joguei um pouco contra Raines no começo da minha carreira. Também joguei com Jeff Bagwell por quatro anos em Houston, e contar com ele no meio do lineup, a habilidade que tinha para conseguir walks e chegar em base, aliada à força para impulsionar corridas, foi o que o colocou nesta posição de poder chegar ao Hall da Fama.
Larkin – Eu acho que uma coisa que é ignorada quando analisam Bagwell, e eu joguei contra ele, era a habilidade de roubar bases. Normalmente, é algo que você não espera de um 1ª base, e eu me recordo de ele roubar 20 ou mais bases na mesma temporada. Jogadores que entram no Hall da Fama são caras que mudam o jogo de tantas formas, e ele fez isso, você precisava de um bom plano de jogo, definir o que não poderia fazer contra Bagwell.
Pudge Rodriguez também mudou o jogo, era um catcher muito bom com o bastão, mas na defesa era impressionante. Eu era um ladrão de bases, mas você não podia desafiar ele como catcher, porque ele te queimaria, até mesmo arremessando com os joelhos no chão. Eu não joguei contra Raines, mas eu o observava quando estava começando, e eu via ele como Rickie Henderson (um dos melhores homens de leadoff da história da MLB) na Liga Nacional. Sempre me surpreendeu que não estivesse no Hall da Fama, não entendia porque, pois ele afetava o jogo de forma impressionante, era um homem de leadoff com força.
The Playoffs – O que vocês acharam de Ken Griffey Jr. não ter sido eleito de forma unânime no ano passado?
Larkin – Eu achei que ele seria eleito de forma unânime. E acho que a razão pela qual isso não aconteceu passa pelo fato de Babe Ruth, ou nenhum outro até hoje, ter conseguido a unanimidade. Se Ken Griffey Jr. não foi eleito por unanimidade, acho que nunca teremos alguém assim, pois na minha opinião, não joguei com todo mundo, mas ele era excepcional, e não sei se você pode ser melhor do que Griffey.
Finley – O único cara que acho que pode ser eleito de forna unânime, no futuro, é Mike Trout, do Los Angeles Angels, se mantiver o mesmo nível. Não vejo chance de outro, apenas pelo princípio de que alguém não vai votar nele porque querem votar em outro jogador. Muitas vezes, um jogador será eleito e os jornalistas sabem e querem que outros jogadores também sejam votados, e não votam nele por isso.
The Playoffs – Finley, você disputou uma World Series especial em 2001, Arizona Diamondbacks e New York Yankees enfrentando-se logo após os atentados de 11 de Setembro. Como era o clima, tanto em Phoenix como no Yankee Stadium, incluindo o arremesso inaugural do presidente George W. Bush. Isso afetou os jogadores?
Finley – Não havia como não afetar. Havia muita coisa acontecendo, a temporada foi adiada após os ataques, e voltar ao campo para retomar os jogos foi parte do processo de cura para muita gente, especialmente em Nova York. Aquela World Series, eu lembro que no primeiro jogo no Yankee Stadium (jogo 3), eu estava me aquecendo quando George W. Bush entrou no campo para o arremesso inaugural.
Todo mundo parou, todo mundo olhou, ele conseguiu um arremesso perfeito e ficou no montinho acenando para todo mundo. Me arrepio ao falar. Uma águia veio do outfield e pousou exatamente no montinho. Havia muita emoção, os três jogos que tivemos em Nova York foram muito emocionantes, muita coisa em campo, os Yankees ganharam os três de forma dramática, de virada com home runs na 9ª entrada, o público foi ao delírio.
Voltamos ao Arizona e conseguimos as duas vitórias, a última de virada, atrás na 9ª entrada contra Mariano Rivera, provavelmente o melhor closer da história. Foi exaustivo do ponto de vista emocional, mas algo bom, porque vencemos a World Series, é o melhor sentimento do mundo, é por isso que você joga e que ninguém vai tirar de você.
The Playoffs – Barry, você venceu em 1990, Finley venceu em 2001. Quando o time percebeu que aquele podia ser o ano em que levariam a World Series?
Finley – Quando entramos no vestiário no Spring Training, olhamos ao redor e vimos a confiança em todos. Nós acreditamos que venceríamos a World Series naquele ano, não era uma questão de fazer isso, mas sim de o que poderia nos impedir, e nada nos impediu. O time manteve-se saudável, jogamos de acordo com o nosso potencial durante todo o ano, contamos com um pouco de sorte nos playoffs, e vencemos.
Larkin – Nas temporadas em que tivemos sucesso nos Reds, a chave era o desempenho dos jogadores que não são estrelas. Por exemplo, se um craque estava mal, e precisava de uma folga, seu substituto tinha um ótimo jogo. De repente, você vencia jogos, ganhava confiança e de repente, percebia que venceu seis jogos em sequência, que no último você estava perdendo por cinco corridas na 8ª entrada e virou a partida.
Percebia que começou a vencer jogos que normalmente não venceria, parece uma febre. Eu lembro que o primeiro jogo de 1990 foi para entradas extras, e vencemos o Houston Astros na 13ª entrada, acho. Depois, vencemos acho que 9 ou 10 jogos em seguida. Com o passar dos anos, você começa a reparar que um determinado jogador está tendo uma ótima temporada, ele tem apenas 22% de aproveitamento e dois home runs, mas os dois foram na 9ª entrada, contra os melhores arremessadores, por exemplo.
Na nossa época, havia 24 jogadores no elenco, e você começa a perceber que todos estão contribuindo com esse desempenho. A outra coisa é que, quando ganhei, a química, a relação no vestiário, era especial. Sempre há gente legal no vestiário, mas quando vencíamos, há algo muito especial nisso.
Crédito das imagens: Luis Felipe Saccini/The Playoffs e Gabriel Mandel/The Playoffs