Conheça a história de uma ‘lady’ do hóquei brasileiro
Jogadora do Sertãozinho Spider, Tamiris Dinamarco fala sobre o esporte que tem origem no gelo e atrai garotas no Brasil
Tido como um esporte violento, onde o contato físico é inevitável e acidentes são comuns, a técnica das mãos que conduzem o stick, as manobras dos patins, os gols, os cortes, os dentes a menos… O hóquei é uma disputa coletiva intensa onde jogadores vestem algo parecido como as armaduras utilizadas por gladiadores na idade média. O intuito é praticamente igual: proteger o rosto, ombros, pernas e assim minimizar os danos.
Com os mesmos riscos que acometem os praticantes de esportes radicais, como o surfe ou skate por exemplo, o hóquei é, em essência, o gosto pela aventura e pelo perigo que nenhuma outra disputa coletiva pode oferecer. Talvez por isso, por esse ambiente de relativa guerra no gelo, seja difícil imaginar “ladies” em um esporte considerado “masculino”.
No Canadá – onde o esporte é tratado como religião – uma famosa loira, baixinha e com rosto de boneca, há pouco mais de 15 anos atrás demonstrava não ter medo de ter uns dentes a menos na boca ou algumas costelas quebradas, mesmo que o visual acabasse com o estereotipo de princesa e a transformasse em bruxa do dia para noite. Esse pesadelo, de como deve se portar uma mulher, não atingia a cantora Avril Lavigne, de 30 anos, que antes do estrelato e durante a adolescência seguia seriamente a carreira de jogadora de hóquei em Ontário, no Canadá.
Mas quis o destino que aos 16 anos outra atividade realizada paralela se tornasse a principal vocação da artista. Avril assinou um contrato com uma gravadora e, em 2002, seu álbum de estreia “Let Go” vendeu 16 milhões de cópias. Nessa época, a jovem atleta largaria tudo para se tornar a “princesa” do pop punk internacional, ao mesmo tempo em que aposentava sua experiência no gelo.
Guerreiras no Brasil
No Brasil, onde o gelo não existe – pelo menos não em condições normais de temperatura e pressão – uma variação inline praticada com leves modificações nas regras originais, se tornou o esporte favorito de outra loira, que aliás não é fã de Avril Lavigne, mas compartilha da mesma veia esportiva.
A atleta do Sertãozinho Spider Feminino, a atacante Tamiris Dinamarco, de 25 anos, é o maior exemplo de que o esporte sobrevive em terras tropicais e é praticado por mulheres acima de qualquer machismo.
O time da cidade de Sertãozinho, localizada no interior de São Paulo, vem de uma forte tradição no hóquei tradicional sobre patins. No masculino inline, o clube é tricampeão da Copa Interior e 4º lugar no Campeonato Brasileiro 2014, mas o time feminino é que mantém o título inédito de campeão brasileiro, conquistado no ano passado (saiba mais).
Apesar dos fortes números, o hóquei, assim como outros esportes considerados amadores, ganham pouca ou nenhuma visibilidade. A busca por patrocinadores se transforma na maior conquista que esses atletas buscam ter. “O Brasil ainda tem pouco apoio ao hóquei inline. Hoje os atletas pagam para jogar até em competições mundiais, quando na verdade deveriam receber para representar o seu país”, lamenta a atleta.
Outro problema que distancia o hóquei dos futuros praticantes são os custos com equipamentos. As “armaduras” das gladiadoras custam em média R$ 1 mil e não são fabricadas no Brasil. “Outro problema é o custo dos equipamentos. Os impostos para trazer novos equipamentos de fora são bem altos, o que muitas vezes afasta novos atletas da modalidade. Sobre as equipes em si, algumas têm o apoio de prefeituras locais, mas existem times que pagam aluguel para ter uma quadra e precisam fazer as famosas ‘vaquinhas’ para pagar taxas de inscrição, hotel e alimentação”, complementa Tamiris.
Tanta dificuldade parece não desanimar a jogadora que conheceu o esporte há pouco tempo, em 2011, durante um trabalho realizado como jornalista pelo clube. “Como sou jornalista e trabalho com matérias de esporte, fui cobrir um campeonato internacional de hóquei inline. Gostei muito, conheci muitos atletas e foi daí que surgiu a ideia de ter um time feminino que ainda não existia”, lembra.
A partir daí, Tamiris e mais quatro amigas começaram a patinar com crianças de categorias menores, mesmo sem ter a ideia do que aquilo poderia dar. Logo em seguida, outras garotas se mostraram interessadas, foi então que elas tiveram a ideia de divulgar a novidade na internet e entre conhecidos. Como no Brasil ainda não tinha lugares que vendiam patins e equipamentos para a prática, as garotas pegavam emprestados de outros jogadores para poder treinar. Assim, elas foram dividindo os horários dos treinos e se organizando.
Os primeiros equipamentos novos chegaram pouco tempo depois, por meio de um atleta do masculino que comumente viajava para os Estados Unidos. Meses depois, uma loja em São Paulo abriu uma filial e tudo passou a se tornar mais fácil. “Nesse momento, o hóquei inline feminino ainda estava parado no Brasil e, aos poucos, as meninas foram retornando e outras iniciando”, diz.
Ao todo, na modalidade inline, cinco equipes femininas estão formadas no Brasil: Sertãozinho, São Paulo, Campinas, Espírito Santo e Curitiba, além de capitais como Recife, Rio de Janeiro e Brasília que estão tentando formar as suas.
Atualmente, o time feminino de Sertãozinho conta com 14 garotas que praticam a atividade. Em novembro de 2014, a equipe se consagrou campeã brasileira pela primeira vez em sua curta história de vida, mas é Tamiris que resume essa experiência.“Foi um título inédito, depois de quatro anos de formação da equipe conseguimos um título invicto, na AABB em São Paulo, na qual vencemos a AABB que não perdia há 18 anos… Foi marcante para a história da equipe e da nossa cidade. Um feito histórico e que nos motivou ainda mais a não desistir.”
Preconceito
No futebol feminino a atual projeção da alagoana Marta Vieira da Silva ajuda a quebrar o preconceito e aumentar o interesse pelo esporte que também carece de incentivos.
Enquanto isso no hóquei inline, o cunho violento vindo do hóquei no gelo talvez seja o maior entrave na difusão do esporte. Mesmo assim, a prática sobrevive em suas várias vertentes sem nenhum espaço de destaque na mídia.
“Dentro da comunidade do hóquei no Brasil, preconceito não existe… Mas às vezes por falta de conhecimento algumas pessoas ‘de fora’ veem o hóquei como violento e assim pensam que mulheres não deveriam praticar, quando na verdade não tem nada de violento, e sim de contato, o que faz a mulher se tornar mais forte ainda”, resume a jogadora.
Quer saber mais? Acesse o Facebook do Sertãozinho.
NHL
Sendo uma integrante do primeiro time feminino inline em Sertãozinho, a paixão pelo esporte se estende ainda pela expressão máxima no hóquei mundial: a NHL. Fã dos New York Rangers, a loira admite também uma grande simpatia pelo Anaheim Ducks , time que conheceu por conta dos filmes e desenhos animados da Disney. “Sou muito fã dos Ducks, desde criança pelos filmes que assistia. Mas como morei um tempo nos Estados Unidos, acabei tendo um apreço muito grande pelo NY Rangers”, admite.
A garota tem como referência o capitão do Pittsburgh Penguins, Sidney Crosby, como maior ídolo. Enquanto que o momento mais impactante ao acompanhar a grande liga foi aquele em que conheceu o Madison Square Garden pela primeira vez. O ginásio foi palco de jogos importantes para o time nova-iorquino dos Rangers, como também lugar onde a seleção dos Estados Unidos teve o seu maior triunfo nos Jogos Olímpicos, em 1980, ao vencer a União Soviética. “Todas as vezes que passava pela porta, me arrepiava ver aquele lugar. Tem alguns telões do lado de fora que mostram lances das partidas, é mágico”, diz.
Para a atual temporada 2014-2015, a loira faz uma promessa: “Gostaria muito de ver os Rangers na final. Quem sabe voltar lá e assistir esse jogo?”, desafia. Os Rangers estão na quarta colocação na Divisão Metropolitana com 58 pontos. Será que eles chegam lá??
Assim, não importa como você queira definir o hóquei, seja ele violento ou não… Cada vez mais homens e mulheres se apaixonam. E a Avril Lavigne? Bom, ela continua fazendo sucesso com as suas músicas…