Será que em 2021 teremos um campeão canadense na NHL?
Com as mudanças nas divisões da NHL por causa da pandemia, o caminho ficou mais fácil para o Canadá?
Nove de junho de 1993. O Montreal Canadiens derrota o Los Angeles Kings de Wayne Gretzky no jogo 5 e conquista a Stanley Cup. De lá pra cá, já são 28 longos anos sem uma franquia canadense levando o título da NHL. Para contextualizar, imagine uma Libertadores da América apenas com equipes do Brasil e a Argentina e quase nas últimas três décadas, apenas os hermanos tivessem levantado o caneco.
Claro que, olhando para o mapa de equipes da liga, alguém pode levantar a questão do quantitativo de times. Em 2021, são 24 times dos Estados Unidos e 7 do Canadá. Na próxima temporada, a diferença será maior ainda com a entrada do Seattle Kraken, franquia de expansão. Mas a questão vai bem além do número de equipes. O hóquei no Canadá é algo similar ao futebol no Brasil e ao rugby na Nova Zelândia, talvez com uma importância maior ainda. Se em terras tupiniquins toda criança ganha uma bola, no norte da América, ela ganha um par de patins e um taco.
Por causa dos efeitos da pandemia, a NHL redesenhou as divisões e conferências da liga para a atual temporada, que encolheu de 82 para 56 partidas na sua fase regular. As quatro divisões tradicionais foram alteradas, com seus integrantes remanejados de acordo com a sua localização geográfica, numa busca de viagens mais curtas e em menor número. Além disso, o governo do Canadá impôs diversos procedimentos para a entrada de pessoas no país, gerando assim um desafio logístico para as equipes do país. Se na NBA o Toronto Raptors se mudou para Tampa Bay e joga a temporada toda nos EUA, as sete equipes da NHL se colocavam como um desafio bem maior.
Então surgiu a solução “caseira”, reunindo as franquias do país numa mesma divisão, batizada, obviamente, de Divisão Norte. Se a logística estava resolvida, a questão do equilíbrio técnico começou a ser debatida e analisada. Ainda mais pela formatação dos playoffs, que também será diferente do tradicional. Os quatro melhores times de cada divisão se classificam para a pós-temporada e jogam dentro dela mesmo, no formato primeiro contra o quarto e segundo contra o terceiro. Os vencedores dessa primeira rodada se enfrentam e iremos conhecer o campeão da divisão. Os quatro campeões divisionais então jogam uma semifinal e os vencedores irão decidir a Stanley Cup. Portanto teremos, no mínimo, um time canadense no G4 da NHL.
Olhando para a história recente, as equipes do Canadá têm chegado perto da conquista. Pelo lado do Leste, o Ottawa Senators perdeu a decisão para o Pittsburgh Penguins em 2017, que se sagrou campeão da NHL. Um ano depois, o Winnipeg Jets fez uma improvável final do Oeste contra o Vegas Golden Knights, mas também não conseguiu chegar na grande decisão. Na temporada passada, o Vancouver Canucks perdeu no jogo 7 para os Golden Knights na semifinal do Oeste, e foi a equipe do Canadá que chegou mais longe dentro dos playoffs.
Então, se temos equipes capazes que fazem boas campanhas, cadê o título pro Canadá? Pra achá-lo, temos que voltar muito na história. O Montreal Canadiens é o maior campeão da história da NHL, com 24 conquistas. O Toronto Maple Leafs é o segundo com 13, o Edmonton Oilers soma cinco e o Calgary Flames tem uma conquista, em 1989. Canucks, Jets e Senators ainda buscam levantar a Stanley Cup pela primeira vez.
Um tópico que sempre surge ao discutirmos os times canadenses em uma liga predominante estadunidense é a questão financeira. Em 2005-2006, a NHL estabeleceu a regra do teto salarial que, com pequenas mudanças, vigora até hoje. Então todas as 31 franquias têm o mesmo limite para se gastar com salários e se compararmos o teto da NHL com as demais ligas norte-americanas como NFL e NBA, é, de longe, o mais restrito a possíveis regras de exceção ou alternativas que tentem burlar o teto.
Na verdade, o teto ajudou os times do Canadá. Toda a parte financeira da liga é contabilizada em dólares americanos, portanto as equipes do país já começam com uma desvantagem, a desvalorização do dólar canadense frente ao americano. Receitas como bilheteria, patrocínios e venda de merchandising são recebidas em dólar local, mas os salários são pagos em dólar americano por essas franquias. Na criação do teto, um mecanismo foi introduzido pela liga para que essa diferença seja atenuada, com as equipes do Canadá recebendo um percentual um pouco maior do bolo do que os times baseados nos EUA.
Podemos lembrar que todos os títulos canadenses foram conquistados em temporadas pré-teto salarial e já ilustramos acima que nos últimos anos, as equipes têm batido na trave em chegar às finais. E nos primeiros seis anos do teto, foram três decisões com um time do Canadá nela. Em 2006, os Oilers foram derrotados pelo Carolina Hurricanes no decisivo jogo 7. No ano seguinte, os Senators perderam para o Anaheim Ducks de Teemu Selanne e Scott Niedermayer por 4 a 1. A última presença canadense na final aconteceu em 2011, quando os Canucks, em casa, foram derrotados pelo Boston Bruins no jogo número 7 também. São 10 anos sem a presença de um time do Canadá na final da Stanley Cup.
As novas regras para 2021 “facilitaram” e já colocam um time do Canadá entre os quatro melhores da NHL. Mas será que essa facilidade não será um problema quando chegarmos aos playoffs? Olhando hoje, com quase um terço da temporada já disputada, podemos ver os Maple Leafs e Canadiens como principais favoritos dentro da divisão. Jets, Oilers e Flames devem brigar pelas outras duas vagas, enquanto Canucks e Senators terão muita dificuldade em manter campanhas positivas, sendo que o time de Ottawa amarga a pior campanha de toda a NHL até agora.
Se tivéssemos as divisões originais, Habs e Leafs teriam que brigar com Boston Bruins e os atuais campeões Tampa Bay Lightning pelo título da divisão e também por uma das três vagas diretas aos playoffs. E olhando a boa campanha do Florida Panthers, poderíamos também inclui-los na briga, gerando assim uma disputa bem mais complicada do que eles enfrentam hoje. Poderemos até ter um time do Canadá levando o Troféu do Presidente, dado ao time com mais pontos durante a temporada regular, mas talvez sem ser o favorito para a conquista da Stanley Cup.
A NHL tem a fama (justa) de ser a liga mais imprevisível nos esportes norte-americanos. Respeitando a fama do hóquei, claro que poderemos ter um campeão comemorando com o “Oh Canada” ao fim da temporada, mas as mudanças feitas por causa da pandemia, podem ter dificultado ainda mais um título do país. Tudo indica que a temporada regular e os playoffs dentro das divisões americanas serão mais equilibrados e disputados, e os três vitoriosos que sairão dessa disputa podem estar mais “prontos” para as semifinais. Uma disputa maior pode significar mais lesões e cansaço, mas em uma temporada mais curta, os jogadores podem chegar mais inteiros nos jogos mais decisivos. A conferir!
(Fotos: Vaughn Ridley/Getty Images; divulgação NHL)