O nascimento e morte do Atlanta Thrashers na NHL
Com o sucesso de Vegas e a expectativa em Seattle, vamos lembrar um caso não tão vitorioso no draft de expansão
Em 2021-2022, a NHL dará boas vindas ao seu time número 32 com a estreia do Seattle Kraken, atingindo assim uma soma de times nunca atingida em sua história. No final do século XX e início do XXI, a liga passou por algumas inclusões como Nashville Predators, Columbus Blue Jackets e mais recentemente, o Vegas Golden Knights, todos com sucesso dentro e fora do gelo.
Mas em 1997, a NHL decidiu que a cidade de Atlanta receberia uma nova franquia e o Atlanta Thrashers faria a sua estreia na temporada 1999-2000. Importante lembrar que não seria a primeira vez que a cidade teria uma equipe na NHL. Entre 1972 e 1980, Atlanta foi a casa dos Flames, que se mudaram para o Canadá e até hoje é o Calgary Flames. Portanto após 19 anos, a cidade, uma das maiores do sudeste dos Estados Unidos, voltaria a torcer para um time no gelo.
O plano de expansão dos Thrashers incluía outras três equipes que iriam levar a NHL a 30 equipes ao fim do processo. A primeira equipe foi o Nashville Predators que estreou em 1998, seguida por Atlanta no ano seguinte e em 2000, Minnesota Wild e Columbus Blue Jackets fariam as suas primeiras aparições. Os donos da nova equipe formavam o grupo de comunicação Time Warner, que na época também eram proprietários do Atlanta Hawks da NBA.
Antes de imaginar que o nome indique algo como lixo (trash em inglês), o batismo do time foi em homenagem a ave símbolo do estado da Geórgia, o “Brown Thrasher”, escolhido por uma enquete feita com os fãs. Na verdade, Thrashers ficou em segundo mas o campeão, “Flames”, não poderia ser usado já que o time de Calgary seguia com ele desde dos tempos de Atlanta.
1999 – DRAFT DE EXPANSÃO
O primeiro general manager da franquia foi Don Waddell (hoje GM do Carolina Hurricanes), que teve a missão de selecionar 26 jogadores para formar o primeiro elenco do time. Na época, o draft de expansão ajudava um pouco mais as equipes que já estavam na liga. Atlanta selecionaria um atleta de cada equipe, menos Nashville, que por ter entrado um ano antes estava isento. Só que as franquias podiam proteger um goleiro, cinco defensores e nove atacantes ou o formato de dois goleiros, três defensores e sete atacantes. Dentro desse padrão, Waddell fez as suas 26 escolhas, que deveriam ter no mínimo três goleiros, oito defensores e 13 atacantes.
Sem tantas opções quanto Kelly McCrimmon (GM dos Golden Knights) e Ron Francis (GM do Kraken), Waddell buscou misturar experiência e juventude na lista. Mas na verdade, não teve muito sucesso. Destaque para Kelly Buchberger, que tinha sido bicampeão com os Oilers em 1987 e 1990 e se tornou o primeiro capitão dos Thrashers e o goleiro Trevor Kidd, que foi selecionado vindo dos Hurricanes, mas nem chegou a vestir a camisa de Atlanta. Waddell trocou o jogador com o Florida Panthers por Gord Murphy, Daniel Tjarnqvist, Herberts Vasilijevs e uma escolha de sexta rodada no draft de 1999. Kidd jogou ao todo 12 temporadas na NHL, passando também por Flames e Maple Leafs.
Um bom resumo da atuação de Waddell no draft de expansão pode ser feito ao olhar o time ao final de sua terceira temporada na liga. Sem chegar nenhuma vez aos playoffs, os Thrashers só tinham 4 jogadores no elenco que vieram originalmente do draft de 1999, o goleiro Norm Maracle, os defensores Yannick Tremblay e Chris Tamer e o left wing Tomi Kallio. Mas os poucos fãs dos Thrashers não acham que o draft de expansão foi o maior fracasso do time naquele ano. Precisamos falar sobre o draft regular.
A escolha de 1999 até hoje é conhecida pela seleção dos irmãos Henrik e Daniel Sedin pelo Vancouver Canucks, que foram as peças centrais da franquia por quase 20 anos. O GM dos Canucks na época, Brian Burke, negociou tudo que podia algumas vezes para conseguir as escolhas número 2 e 3 daquele draft. A primeira era do Tampa Bay Lightning, que em um desses negócios de Burke, acabou caindo no colo dos Thrashers. Então Waddell selecionou o center Patrik Stefan, da República Tcheca.
Stefan jogava no Long Island Ice Dogs, da extinta International Hockey League (IHL) e seu treinador John Van Boxmeer deu uma declaração quando perguntado sobre Stefan. “Ele será um center dominante, que gosta de passar o puck. Ele prefere passar o puck do que marcar gols. Será um jogador que pode chegar às 100 assistências numa temporada. É uma mistura de Mike Modano e Sergei Fedorov.”
Stefan passou 7 temporadas na NHL e em 455 jogos, marcou 64 gols e 124 assistências. Em praticamente todas as listas de maiores decepções na história das primeiras escolhas do draft, temos a presença de Stefan entre as cinco primeiras.
AS PRIMEIRAS TEMPORADAS
Em 1999-2000, foram apenas 14 vitórias em 82 jogos e a lanterna da Conferência Leste. Os drafts de 2000 e 2001 foram bem melhores para a equipe, que selecionou Dany Heatley em 2000 e Ilya Kovalchuk no ano seguinte, que fizeram as suas estreias no elenco principal em 2001-2002 e ambos foram eleitos para o time de calouros daquele ano. Heatley ainda levou o troféu Calder de melhor rookie da temporada. Ainda sem chegar à pós-temporada, os Thrashers vinham fazendo sucesso na cidade que mantinha uma média maior de 10.000 torcedores por jogo.
Em 2003, o grupo que controlava a franquia vendeu o time para a empresa Atlanta Spirit, que reunia vários empresários da região. Uma semana depois, uma tragédia abalou muito a todos em Atlanta. Dany Heatley, junto com o center Dan Snyder, sofreram uma grave acidente de carro. Heatley sofreu uma série de contusões e só conseguiu voltar a jogar em janeiro de 2004. Já Snyder teve uma desfecho bem pior, falecendo uma semana depois do acidente. Os Thrashers usaram um símbolo preto com o número 37 de Snyder durante toda aquela temporada.
Em 2005, julgando tentar esquecer as lembranças do acidente que vitimou Snyder, Heatley pediu para ser trocado e deixar os Thrashers. Logo depois, mesmo com a fúria da torcida que não perdoava a jovem estrela por deixar a cidade que o ajudou durante o período do acidente, o time mandou Heatley para o Ottawa Senators, trazendo Marian Hossa e Greg deVries.
Mas mesmo sem seu maior goleador, a temporada trazia uma alta expectativa ao time. Waddell trouxe vários veteranos via free agency, como Bobby Holik, Mike Dunham, Jaroslav Modry e Scott Mellanby e tudo indicava que os playoffs chegariam pela primeira vez na história. Mas diversas lesões, principalmente com os goleiros, deixaram o time de fora da briga. Juntando os jogos de Dunham e Kari Lethonen, os principais goleiros, chegamos a 52 dos 82 da temporada e a falta deles foi crucial para a derrocada do time.
ENFIM, OS PLAYOFFS
A temporada 2006-2007 começou com algumas más notícias, a principal delas a saída de Marc Savard, artilheiro em 05-06, como free agent para o Boston Bruins. Mas com as chegadas de Steve Rucchin e Jon Sim, e principalmente as atuações de Hossa, Kovalchuk e Lehtonen e que se mantiveram saudáveis, a equipe chegou a 43 vitórias na temporada e conquistou a Divisão Sudeste da NHL, se classificando pela primeira vez na história aos playoffs.
O time ficou na terceira posição na Conferência Leste e teve a vantagem de jogar a maioria dos jogos em casa na primeira rodada, quando enfrentou o New York Rangers. Apesar da vantagem e do favoritismo, os Thrashers foram varridos pelos Rangers e a derrota por 4 a 0 na série eliminou a equipe. Se dentro do gelo as coisas não foram tão bem assim, fora dele a franquia parecia ter encontrado seu sucesso.
O time que mandava os jogos na Phillips Arena teve a sua maior média de público na história e vendeu todos os ingressos das duas partidas de playoffs sob seus domínios. Ícones da música da cidade, como o rapper Lil Jon, promoviam a equipe com seus fãs. Mas mesmo com o breve sucesso financeiro e esportivo, os sócios do Atlanta Spritit começaram uma briga interna que acabaria sendo crucial para o fracasso da franquia.
Mesmo com as turbulências fora do gelo, as expectativas após a temporada 2006-2007 eram as maiores possíveis. Sob o comando de Bob Hartley com Waddell ainda como GM, o futuro dos Thrashers era promissor. Mas…
O INÍCIO DO FIM
Com seis derrotas nas primeiras seis partidas, Waddell decidiu pela demissão de Hartley e ele próprio assumiu como treinador principal da equipe. Mas os 76 pontos conquistados deixaram o time na penúltima posição no Leste e fora dos playoffs. O maior destaque do ano foi o All-Star Game de 2008, sediado em Atlanta, que contou com Marc Savard, ex-jogador do time, marcando o gol da vitória do Leste por 8 a 7.
Em novembro de 2008, já sob o comando técnico de John Anderson, os Thrashers viram seus problemas fora do gelo tomarem proporções gigantes. A disputa entre Steve Belkin contra os demais sócios da empresa chegou às cortes judiciais e uma decisão parecia longe. Waddell ofereceu um contrato de 12 anos, num valor total de US$ 101 milhões para a estrela do time, Ilya Kovalchuk, que recusou a oferta de renovação e assinou com o New Jersey Devils.
O time melhorou sua pontuação final, chegando a 83, mas a décima posição na Conferência deixou a equipe mais uma vez fora dos playoffs, o que aconteceria novamente em 2009-2010. Em abril daquele ano, Waddell foi promovido a presidente de operações de hóquei e contratou Rick Dudley como GM, sendo assim a única troca na função na história da franquia.
Dudley então trouxe Craig Ramsey como novo treinador e fez algumas trocas que foram boas para o time, trazendo principalmente Dustin Byfuglien e Andrew Ladd. Dia 7 de abril de 2011 aconteceu a última vitória do time na NHL, um 3 a 0 contra os Rangers no Madison Square Garden e três dias depois, os Thrashers fecharam a temporada regular com uma derrota para o Pittsburgh Penguins por 5 a 2, ficando de fora mais uma vez dos playoffs.
Durante toda a temporada 10-11, os rumores de uma realocação dos Thrashers eram comuns. Mas os “favoritos” para assumir o time eram alguns empresários da própria cidade, que tinham o compromisso de manter a franquia em Atlanta. Em janeiro de 2011, os atuais donos declararam um prejuízo de US$ 130 milhões com a equipe nos últimos seis anos, o que pode ter ajudado na fuga de investidores locais.
PARTIU WINNIPEG
Em maio de 2011, o jornal Atlanta Journal-Constitution informou que a Atlanta Spirit tinha vendido os Thrashers para o True North Sport and Entertainament, uma empresa canadense que levaria a equipe para recriar o Winnipeg Jets, que existiu até 1995, quando se mudou para Phoenix Coyotes (hoje Arizona Coyotes).
No mês seguinte, veio o anúncio oficial informando que a equipe se mudaria para Winnipeg e passaria a jogar no MTS Centre, onde realiza seus jogos até hoje. Foi um golpe grande em Atlanta perder seu segundo time em menos de 30 anos e além do fato da opção por deixar uma grande cidade norte-americana para um mercado pequeno dentro do Canadá.
Até a temporada passada, quatro jogadores que tinham jogado com os Thrashers ainda estavam na NHL: Zach Bogosian, Evander Kane, Braydon Coburn e Blake Wheeler. Junto com Andrew Ladd e Bryan Little, que estão em lista de contusões sem prazo de retorno, Wheeler foi o único atleta a atuar com os Thrashers e com os Jets na carreira.
Criar um time do zero não á tarefa nada fácil. A NHL tem uma história de sucesso recente com seus times de expansão, onde podemos ver a presença de Predators e Golden Knights nas decisões na Stanley Cup e equipes consolidadas como Wild e Blue Jackets. O exemplo dos Thrashers é um ponto fora da curva e esperamos que o Kraken não siga essa caminho fracassado.
(Créditos na foto: Site oficial da NHL, Twitter)