[ESPECIAL] Full pad é coisa de mulher! Conheça o Underdogs e duas guerreiras do futebol americano feminino
Lu Magalhães e Day Perillo contam um pouco de suas histórias, rotinas e do cenário do FA brasileiro feminino
Mulheres jogando futebol americano já está cada vez mais distante de ser novidade aqui no Brasil. Nós mesmos, aqui no The Playoffs, já contamos histórias de três garotas de muito sucesso no Brown Spiders e que provam que o FA é mesmo coisa de mulher, de homem, de qualquer um.
Porém, vencer as dificuldades do dia a dia, o preconceito, a falta de estrutura para o esporte é dificuldade para qualquer gênero. Para as meninas, ainda mais.
Sem estarem alheias a tudo isso, elas seguem batalhando por seu espaço por aqui. É o caso do time feminino do Underdogs Football. A palavra “Underdog”, em tradução literal, significa “azarão”. Ou seja, aqueles que não são favoritos em um jogo ou competição. E talvez o nome do time seja apropriado, pois o objetivo do projeto é treinar bem e chegar forte às competições em 2017, para superar grandes equipes que já atuam há mais tempo no FA feminino, sempre com muita humildade.
E se você pensa que estamos falando de flag football, algo mais apropriado para “frágeis moças”, tire isso da sua cabeça. Essas mulheres, que de frágil não têm nada, jogam no modelo full pad, com todos os equipamentos e trombadas necessários.
Conversamos com dois dos pilares do time feminino dos Underdogs. Lu Magalhães, 39 anos, é técnica da equipe. Com grande experiência no futebol americano da Alemanha, ela chegou ao Brasil com vontade de fazer o esporte pegar de vez por aqui. Já Day Perillo, 27, é quarterback, wide receiver e até linebacker. Assim como toda grande mulher, é incansável, mesmo com diversas atividades dentro ou fora de campo, incluindo cuidar de uma filha de 7 anos.
Conheça mais duas histórias inspiradoras do futebol americano feminino do Brasil:
Lu Magalhães: “Temos que apresentar o esporte de forma positiva”
Quem é: Luana P. Magalhães, 39 anos. Ex-DL/OL do Munich Cowboys, carioca, deixou o Brasil com 4 anos e voltou há 3.
THE PLAYOFFS – Como você chegou ao futebol americano?
Lu Magalhães – Cheguei ao FA através de um amigo e ex-coach. Ele vivia me chamando, mas como eu não tinha ideia de como realmente era o esporte, não sentia a mínima vontade. Coisa doida esse jogo de porrada… Só que o cara era muito insistente! Não sei quantas vezes ele me chamou. Um dia resolvi ir no treino pra ter paz. Me encontrei no primeiro treino, nunca mais saí e entrei em campo quatro semanas depois, loucura (risos).
E virar técnica, em que momento surgiu essa oportunidade?
Comecei no Flag dos Underdogs como jogadora. Vi que pra mim era difícil mudar do full pad pro flag… treinei muitos anos o FA e pra mim foi complicado mudar a rotina. Então comecei a ajudá-las a melhorar a condição física, força, motivação, velocidade, etc., começou lá. Mas o meu negócio é o FA mesmo. Então surgiu a ideia de formar uma equipe feminina full pad nos Underdogs. Comigo e Alexander Sawitzki como coaches. Estamos em fase de construção e os treinos ainda estão abertos, guerreiras!
Fale um pouco de sua experiência na Europa, como foi e dos feitos que conseguiu por lá.
Jogar na German Football League, GFL, foi muito bom. Oferece bastante estrutura. Quando eu digo que tínhamos mais estrutura eu falo de campos bons, patrocino, tínhamos até nosso próprio estádio. Os jogos eram eventos com comes e bebes, atrações para crianças, cheerleaders, DJ… A temporada normalmente começa em março/abril e vai até setembro/outubro. É por um campeonato nacional, o Ladies Bowl. Ganhamos dois. Depois ficamos sempre entre os primeiros quatro. Viajamos muito e fiz amizades pro resto da vida. Era muito louco porque dedicava praticamente todo meu tempo para o esporte. Churras? Jogando, fora! Casamento? Vou depois do jogo. Aniversário? Jogando fora! Balada? Amanhã tem treino. Era assim. Acho que pra ter bons resultados tem que investir bastante… como disse, foi muito bom. Essa época mudou minha vida. Me mudou como pessoa. Acredito que pra melhor.
Algumas jogadoras nos disseram que você é uma inspiração para elas. Como você recebe esse tipo de sentimento?
Recebo isso com muita humildade, gratidão e felicidade. Bacana, né?!
Falando do Underdogs, qual é o momento da equipe e a expectativa para começar a disputar campeonatos?
Ainda estamos andando em “baby steps” (passos de bebê). Precisamos aumentar o elenco, e o equipamento no Brasil para muitos também é um problema. É caro e muitas vezes difícil achar. Estamos caminhando e trabalhando para isso, treinando duro todas as terças e sábados, e nos organizando como time. Resistência, agilidade, força, tática, velocidade e, para mim muito importante: força mental. Formação de um time unido. Acho que ainda não estamos preparadas pra temporada 2017, começamos nossos treinos ha oito meses… é cedo.
Você acompanha também a NFL? Tem alguma inspiração?
Assisto NFL sim, mas curto assistir outros também. Futebol, UFC, tênis, atletismo… gosto muito dos Steelers e do FC Bayern – morei 32 anos em Munique. E também sou Flamengo!
Sobre o futebol americano feminino do Brasil, você acredita no crescimento da modalidade? O que precisa ser feito pra isso?
O povo brasileiro é muito diferente do americano. Sem julgamentos… o FA do jeito que a gente joga lá fora é quase militar. Muito disciplinado. É um hobby sim e é pra se divertir. Mas pra dar certo a coreografia e ter sucesso, também tem que ser levado a sério. A diversão e felicidade vêm automaticamente com o desempenho e a vitória (não só em campo). Não vejo muita gente vestir essa camisa… Tem que treinar muito pra jogar esse jogo, pra ter técnica, resistência e concentração pra fazer bem seu job e não se machucar. Observo que aqui no Brasil a filosofia e a pegada do esporte são diferentes que lá fora. Se quisermos crescer e jogar no mesmo nível dos gringos (não só americanos), acho que precisamos mudar essa postura.
Quando se fala de FA feminino, muita gente lembra ou da LFL (Legends Football League, em que as moças jogam de lingerie) ou dos torneios de flag, com menos pancadas. Mas existem muitos bons times jogando full pad no Brasil. Como você enxerga essa situação e como esse pensamento geral pode mudar?
Acho que todo esporte tem que ter seu espaço, independente de eu gostar ou não. Daquilo que percebi, tem muitas jogadoras boas no Brasil. Elas que tem que lutar pelo espaço que querem. Nós, as equipes femininas, temos que lutar com mais força pois recebemos pouca ajuda. Isso lá fora também é assim. Não adianta lamentar. Temos que nos organizar bem e divulgar nosso trabalho da melhor forma possível e assim acabar com os preconceitos. Semana passada a mãe de uma jogadora foi assistir ao treino, meio preocupada com as ideias da filha. Encontrou um time organizado, respeitoso, onde um ajuda o outro, esforçado e divertido. Ela adorou e admitiu que achava que seria absolutamente diferente. É isso! Temos que apresentar o esporte de forma positiva. Chega de cara de mal(risos).
Além do futebol americano, que outras atividades você tem e como concilia tudo isso no dia a dia?
Como disse antes: sem comprometimento não dá. Exige tempo, mexe no bolso e, cuidado: vicia! Tenho uma vida normal. Trabalho como professora de alemão e inglês e produtora cultural. Namoro, tenho família e amigos. Todos conhecem minha paixão e respeitam minhas decisões. Às vezes não é fácil priorizar, mas é uma escolha. Nunca me arrependi de ter escolhido FA pra mim. O que esse esporte me trouxe ninguém nunca poderá tirar de mim.
Day Perillo: “Dentro das equipes o preconceito não existe”
Quem é: Dayane Barboza Perillo, 27 anos. É analista de crédito e assistente financeira. No futebol americano é quarterback, wide receiver e linebacker. No flag, apenas WR.
THE PLAYOFFS – Como você chegou ao futebol americano e ao Underdogs?
Day Perillo – Cheguei ao futebol americano em 25/01/2012, por intermédio do meu primo que jogava na equipe do Brasil Devilz e a mesma fez uma seletiva para começar com o flag football feminino. Lá permaneci por 7 meses apenas treinando e como o time deixou o flag feminino sem muita atenção, convidaram o elenco feminino para fazer parte do novo time que surgia em agosto de 2012, chamado São Paulo Saints. O time surgiu após uma separação de diretoria da Equipe Brasil Devilz. Ficamos como São Paulo Saints de agosto de 2012 a dezembro de 2014, disputamos campeonatos e tivemos muito aprendizado. Em janeiro de 2015, a equipe do Underdogs nos chamou para fazer parte do elenco já que as equipes Brasil Devilz e São Paulo Saints faziam uma fusão com os atletas da equipe masculina de futebol americano. Desta forma, juntamos todo o elenco de Flag Feminino para fazer parte do Underdogs, que nos apresentava um projeto de time um tanto melhor. Em janeiro de 2016 começamos o projeto de futebol americano feminino (full pad), a modalidade de flag feminino também continua e é onde ainda disputo os campeonatos estaduais e nacionais. Desde então, treino nas duas modalidades no Underdogs e venho trabalhado muito com os coaches o desempenho da equipe de full pad feminino.
Quando se fala de FA feminino, muita gente lembra ou da LFL (Legends Football League, em que as moças jogam de lingerie) ou dos torneios de flag, com menos pancadas. Mas existem muitos bons times jogando full pad no Brasil. Como você enxerga essa situação e como esse pensamento geral pode mudar?
Na maioria das vezes o conhecimento do esporte vem da parte masculina que tem um interesse maior pelo esporte que é visto como agressivo. Da parte masculina é evidente que eles enxergam o full pad feminino da forma que veem os jogos americanos pela LFL. Muitas mulheres hoje também já têm o conhecimento, mas pouco se vê ou falam tanto sobre a LFL. Como o flag football feminino é a modalidade que hoje no Brasil tem disputas de campeonatos por ligas que organizam os mesmos, é mais fácil de equiparar o futebol americano por este motivo e por quem já conhece. No contexto geral, quem não conhece muito do esporte hoje denomina que jogamos rugby, pois é um tanto mais conhecido por termos atletas que disputam as olimpíadas no Brasil. O esporte futebol americano no Brasil tem tido uma visão melhor pela quantidade de equipes que se formaram ao longo desses anos. O lado feminino ainda não é tão reconhecido em grande parte, pois as ligas ainda não definiram disputas para a modalidade e muito se vai pelo fato de que é um esporte de contato e principalmente porque cada atleta que investe no seu próprio equipamento. E como sabemos, os valores pagos no Brasil são altos e não há tanta opção de fornecedores como em outros países. É preciso de mais divulgação da modalidade e a busca de atletas que gostem de competir em esportes de contato, afinal, não é um esporte em que o atleta consegue acompanhar treinando apenas uma vez pela semana.
Como é sua relação com a treinadora Lu Magalhães no dia a dia de trabalho, tendo ela tanta bagagem na carreira?
Conheci a Luana quando ela voltou ao Brasil e apareceu no parque em que treinávamos o flag pela equipe São Paulo Saints. Fomos apresentadas e depois ela veio para agregar ao time e passou a ser minha inspiração de jogadora. Como nosso dia a dia é corriqueiro, a maior parte dos assuntos é sobre o time e ajustes que fazemos em treinos e direção do mesmo. Mas a cumplicidade é recíproca, e tento ser pra ela um orgulho com a minha vontade no esporte e dedicação nos treinos.
Falar em preconceito com mulheres que jogam um esporte tão mais famoso entre homens ainda é uma realidade? Ou é algo que está cada vez mais fazendo parte do passado?
O preconceito sempre existe e não é só no futebol americano. Atletas deste tipo de esporte em grande parte fazem julgamentos sobre a sexualidade das atletas. Nestes anos que pratico, é visível que muitas das meninas são homossexuais em grande parte dos times femininos, numa proporção de 60% das jogadoras. Dentro das equipes o preconceito não existe. E é evidente que com o passar do tempo tem melhorado e se tornado um assunto que não é mais presente.
Você acompanha a NFL? Tem algum ídolo ou inspiração?
Sim, acompanho. Não assisto aos jogos em geral por falta de tempo, mas sempre que possível tenho acompanhado a temporada. Comecei me inspirando no Kenny Vaccaro, jogador do New Orleans Saints. Quando comecei no flag, jogava como safety e o numero 32 era usado pra minha posição, e de certa forma me inspirei nele pra definir a camisa.
Sobre o futebol americano feminino do Brasil, você acredita no crescimento da modalidade? O que precisa ser feito pra isso?
Eu acredito no crescimento da modalidade e penso que é necessário um pouco mais de atenção para desenvolver o lado feminino desse esporte. Tanto ajuda do estado no esporte quanto das ligas que precisam montar planos para o lado feminino. O fato de hoje as equipes trabalharem com a forma de que cada atleta faz sua contribuição para o time seguir adiante, e também de investir nos seus próprios equipamentos é o que gera um pouco de instabilidade no esporte. Precisamos também contar com pensamento de agressividade da parte feminina para engrenar de forma correta nas técnicas que são necessária. É um trabalho difícil de incorporar, pois exigem cuidados e exige que a atleta tenha um físico preparado para tal feito.
E sobre o Underdogs, fale um pouco desse momento da equipe e a expectativa para o início das participações em torneios oficiais.
Treinamos o full pad feminino duas vezes na semana, em torno de 4 horas de treino em cada dia. Treinamos a equipe feminina junto da base masculina, que é onde novos atletas aprendem os fundamentos para iniciar no esporte. A expectativa é de que no próximo ano comecemos alguns amistosos e entremos com mais projetos para desenvolver a modalidade feminina do Underdogs, agregando às ligas e aos times já existentes. Conforme dito, muito ainda depende da parte do investimento das meninas com os equipamentos adequados para cada posição. Tendo em mente que todas estarão equipadas até 2017, o trabalho será com mais afinco.
Além do futebol americano, que outras atividades você tem e como concilia tudo isso no dia a dia?
Além do futebol americano e flag, eu pratico todos os dias musculação, aulas de alongamento, abdominais e aulas de Boxe duas vezes na semana. Acordo todos os dias às 5h20 da manhã e vou para a academia, onde treino cerca de uma hora e meia intercalando atividades. Começo a trabalhar às 8 horas e minha jornada de trabalho vai até as 18 horas de segunda a sexta-feira. Nas terças treino boxe às 18 horas e às 20h30h o treino de futebol americano. Nas quintas às 18h também pratico o boxe.
Como moro com meus pais e tenho uma filha de 7 anos, consigo conciliar muito com o apoio da minha mãe nas questões de casa e levo minha filha sempre que posso nos meus treinos para passar o tempo com ela e incentivá-la na pratica de esporte. Nas noites de tempo livre, fico com a família e amigos e faço curso de inglês com professora particular. Finais de semana os treinos do futebol americano no sábado de manha e domingo o Flag.
É menina e quer jogar futebol americano? Junte-se às Underdogs!
Como você viu, futebol americano é também para todas as mulheres! E o The Playoffs convida todas as nossas leitoras a praticar o esporte e ajudá-lo a crescer.
O time feminino do Underdogs treina às terças-feiras, das 20h30 às 22h30, e sábados das 9h às 12h30, no Esporte Clube Tietê, perto do metro Armênia – em São Paulo (capital). Bora jogar!
(Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal)