John Scott e o “jogo sujo” preservado pela NHL. Vale a pena continuar?
Participação de atleta com viés 'brigão' no All-Star Game reacende debate sobre brigas e hit ilegais; você está de qual lado?
Brigas na NHL. Você é contra ou a favor? Confira os pontos de vistas de cada lado, com os especialistas da equipe do The Playoffs – antes, se não conhece o funcionamento das brigas no hóquei, a gente explica aqui.
A FAVOR: Por Rodrigo Nunes
A ida do defensor John Scott para o All-Star Game desta temporada na NHL, gerou diversas controvérsias sobre a participação do defensor, que está longe de ter um currículo “all-star”, mas foi eleito pelos torcedores e fãs do hóquei na votação pela internet.
A discussão motivada, sem intenção, por Scott reacendeu uma das mais antigas questões que envolvem a NHL nos últimos 40 anos. Ainda temos espaço para as brigas na liga? Faz parte do jogo ou é um problema para a NHL?
Vou expor os motivos que me fazem acreditar que temos que ter as brigas nos jogos de hóquei na maior liga do mundo. Afinal, onde você poderá ver uma boa luta e um belo jogo no mesmo lugar?
Ainda no século XIX, as primeira regras da NHL buscavam evitar os choques mais fortes, intencionais, assinalando a penalidade de 2 minutos fora do jogo, podendo chegar até a expulsão do jogador da partida. No começo do século XX, os hits mais fortes começaram a gerar brigas, que eram contidas pelos árbitros, mesmo com uma certa dificuldade.
No ano de 1922, a NHL decidiu incluir a penalidade por fightning, dando 5 minutos de gancho para os jogadores que fizeram parte da briga. Nessa época, as brigas não eram tão frequentes, mas podemos chamar de mais selvagens, com os jogadores usando o stick pra acertar o adversário e a invasão do gelo pelos atletas no banco para entrarem na confusão. Em 1936, Toronto Maple Leafs e Detroit Red Wings decidiram a Stanley Cup, mas a final ficou conhecida por uma incrível briga envolvendo todos, jogadores e comissão técnica.
A partir dos anos 50, a briga começou a ser vista como uma forma de intimidar o adversário, tentar “ganhar na marra”. Lendas como Bobby Orr e Gordie Howe são conhecidos pelas suas habilidades e também por serem bons de briga. Até hoje existe o “Gordie Howe hat-trick”, que acontece quando um jogador marca um gol, dá uma assistência e vence uma briga.
Mas nos anos 70, brigar durante o jogo começou a dar resultados esportivos também. Boston Bruins e Philadelphia Flyers conquistaram a Stanley Cup na década, usando e abusando do jogo físico, intimidando seus adversários e obtendo sucesso literalmente na força. Nessa mesma época, a NHL alterou as regras sobre as brigas, incluindo uma penalidade caso um terceiro jogador entre na luta, e expulsando e dando suspensões, para qualquer atleta que saia do banco para entrar numa briga.
As outras equipes perceberam e não quiseram ficar pra trás, e começaram a surgir jogadores que não faziam muita coisa no gelo além de serem bons de briga, os enforcers. E chegando aos anos 80, a era de Wayne Gretzky, as equipes usavam os enforcers para garantir que seus craques não fossem caçados durante a partida, no melhor estilo irmão mais velho.
Diversos jogadores como Bob Probert, Stu Grimson e Tie Domi (pai de Max Domi, jovem estrela do Arizona Coyotes), tiveram sucesso na NHL nesse papel, chegando a ganhar vários títulos. Mas, entrando no século XXI, as brigas começaram a diminuir, principalmente após uma mudança na regra. A liga incluiu uma penalidade de 2 minutos para o instigador, aquele jogador que começou a briga. Mesmo não sendo muito usada, ela inibiu os brigões, pois não querem deixar sua equipe com um jogador a menos, principalmente nos playoffs.
As brigas estão diminuindo, mas deverão ser extintas? Não! Além de ser um aspecto cultural do jogo, faz parte de todo o charme da NHL, além de ser uma opção tática da equipe. Os casos de hits ilegais, esses sim, cada vez mais proibidos, devem ser reduzidos ao máximo, evitando principalmente concussões.
Até para evitar os hits, os brigões têm as suas funções. Imagine você, um jogador da NHL, que acerta por trás o craque do time adversário, podendo até tira-lo do jogo. Se tiver um louco do outro lado, que virá atrás de você, arrumar uma briga contigo, no meio da partida, sem ninguém entrar pra te ajudar, você vai em frente com esse hit?
Os enforcers vêm perdendo espaço nos elencos, ainda mais nessa época de salary cap. Mas as brigas não são exclusivas dos jogadores mais físicos, craques como Alex Ovechkin e Sidney Crosby já se envolveram em algumas delas. Imagina a moral do elenco do Washington Capitals ao ver seu maior craque se engalfinhar com um jogador adversário, não tem como não ter um banco entusiasmado na partida.
Talvez não seja o caminho mais politicamente correto. As brigas podem intimidar pais a incentivarem os seus filhos a participarem de ligas juvenis ou até leva-los a assistir as partidas. A TV pode não gostar de ter um jogador todo ensanguentado na tela, após uma briga, onde os árbitros e os demais jogadores não se meteram para impedir.
Em outras ligas, seja na Europa ou na América do Norte e o hóquei universitário da NCAA, as brigas são terminantemente proibidas, com a exclusão do jogador na hora e severas punições depois do jogo. Estamos falando então de um aspecto do jogo exclusivo na NHL, e por isso, deve ser mantido até como uma característica da própria liga.
Estamos falando de uma das ligas mais antigas no esporte, com um troféu tão antigo quanto cobiçado. Claro que estamos falando de novos tempos, e os conceitos de marketing, divulgação e expectadores pela TV em todo o mundo são cruciais para a NHL. Mas a história também atrai fãs, fideliza-os, e são tão importantes para o esporte, que podem ser adequados, mas nunca esquecidos ou totalmente transformados.
A beleza e a velocidade de uma partida de hóquei da NHL encantam a todos, e os melhores jogadores são as estrelas da liga, reunidas nessa grande festa que é o All-Star Game. Mas a presença do enforcer John Scott, com seus mais de 500 minutos de penalidades, a maioria deles em brigas, talvez seja uma forma das brigas estarem lá, seguindo um caminho para não caírem no esquecimento, mas sim, serem lembradas e até homenageadas.
Confira um vídeo bruto e singelo ao mesmo tempo, onde podemos ver que as brigas podem conviver com momentos mais tenros na NHL. Com vocês, Barrett Jackman, na época, jogador do St. Louis Blues.
————
CONTRA: Por Milton Rodrigues
Os fãs de hóquei sempre reclamam dos hits ilegais, mas ninguém reclama das brigas e dos atletas brigões. Curioso, não? Antes de iniciar minha opinião, eu gostaria de dizer que um dos maiores causadores de concussões na NHL são os mesmos enforcers que golpeiam a cabeça dos atletas mais habilidosos (detalhes nos links ao final). Tudo sem o mínimo de preocupação, afinal estão ali para isso, para não respeitar as regras e fazer o jogo sujo.
Fora da América do Norte, as brigas são quase inexistentes nas fileiras profissionais. Ainda assim os fãs europeus de hóquei são um dos mais apaixonados pelo esporte, apesar de alguns norte-americanos não admitirem isso. Ouso ainda a dizer que algumas torcidas fariam as americanas e canadenses se sentirem um chinelo. Os jogos lá continuam emocionantes e muito disputados, o tempo todo sendo tocados por jogadores talentosos e ninguém lembra desse pequeno, porém grande detalhe.
Assim, entendo que a segurança do jogador tem de vir em primeiro lugar, do mesmo modo como o esporte evoluiu e adotou máscaras para goleiros, por exemplo. Com a atual pilha de dados sobre os problemas de longo prazo causados por uma briga, a má reputação do esporte fora do Canadá, a tal “cultura da porrada” nada adiciona no hóquei praticado nos dias de hoje, simples assim, ou existe alguma mensagem dada por quem soca a cara do outro? Não, no passado poderia ter existido, mas hoje com a evolução do esporte e a necessidade cada vez maior da técnica, as lutas não passam de verdadeiras “rinhas de galo” sem sentido, sem qualquer influência no placar final da partida ou empolgação da torcida.
Momentos como esses ganham os headlines internacionais, mas certamente não ajudam na imagem do jogo, na verdade, reduzem o espetáculo. Talvez isso explique a vontade de Holywood em tratar boa parte dos filmes sobre o esporte dentro de um único viés: “porrada”. Não, o hóquei deveria ser pelo menos entendido como um jogo, um jogo duro é verdade, mas apenas isso. O filme “Os Brutamontes“, 2011, critica as brigas com propriedade. A comédia é fácil de ser digerida ao mesmo tempo em que revela o quanto é desnecessário esse lado “sujo” e “grotesco” de jogar.
Pra mim, o papo de que “isso é cultural” não se sustenta. O UFC tem regras, a busca pelo nocaute é parte do objetivo de uma luta que evoluiu e também por isso mesmo se chama de luta, em que “cair no tapa” faz parte da busca pelo objetivo final. Além da desculpa cultural, outra máxima utilizada é a de que jogadores como John Scott são utilizados para proteger os atletas. Novamente, isso é um mito e precisa ser quebrado (veja embaixo), o que faz de Scott naturalmente um dinossauro em extinção.
No hóquei, novamente, o objetivo é outro. Se as brigas forem removidas da NHL, elas só irão acentuar o calibre e a habilidade do campeonato e dos seus atletas. É bom pra todo mundo, para a segurança dos atletas e, principalmente, para os fãs. Assim, não há nenhuma razão que me faça ver o quanto elas deveriam continuar (e não sou o único a defender isso). Se o próprio futebol americano está recentemente revendo suas regras de tackles (cabeça com cabeça) e treinos, como o quase extinto e porém não menos polêmico Oklahoma Drill, espero não ser crucificado por manter uma postura crítica e adversa a grande massa de fãs sobre o meu esporte favorito.
O hóquei é um dos esportes mais difíceis de jogar na face da terra. Pena que um número de novos consumidores nunca poderão ser capazes de olhar além da pancadaria para ver a verdadeira essência do jogo. Não há outro esporte que exige uma mistura tão singular de tenacidade, resistência, velocidade, agilidade, além da coordenação para executar chutes e dribles. Considerando este o caminho natural, a NHL poderia ganhar algo muito maior do que dólares e centavos com essa decisão, ela poderia ganhar o respeito de outros atletas (inclusive de outros esportes) por fazer a coisa certa quando o certo nem sempre é a decisão mais fácil de ser dada. Punir John Scott após uma votação aberta aos fãs que o elegeram por pura trollagem, por exemplo, é errado. Posar de “politicamente correta” neste momento foi incongruente, principalmente por nunca ter resolvido esse problema antes.
Eu gostei desse All-Star Game. Scott é tão simpático quanto o personagem do filme Os Brutamontes, mas assim como no filme, entendo o problema dos enforcers como algo maior do que a brincadeira proposta pela partida. Alguns times na NHL, por exemplo, já adotam uma filosofia diferente – como o Detroit Red Wings, mesmo que de maneira tímida para não afastar os fãs mais tradicionais. Brigar, essencialmente, serve de quê?
Por fim, Scott mereceu mesmo jogar o All-Star Game, mas não por ser um homem habilidoso como todos gostariam de ver, e sim por pertencer a uma leniência da liga que transforma certos “atletas” em piada pronta. A piada fez sucesso, mas os riscos do esporte continuam, afinal vale lembrar seu histórico violento e irresponsável. Espero que você leitor entenda que não sou contra o Scott, novamente o acho simpático como pessoa, sou contra a função pela qual ele é pago. Permanecer mais tempo no penalty box do que jogando não pode ser considerado algo normal. Fraturas e lesões estão diretamente ligadas a esse tipo de prática.
Dúvidas? Aprofunde no assunto:
A polêmica também é tratada no desenho animado dos Super Patos, criado pela Disney nos anos 90. Recomendo 100%. Faça que nem o Grinn e “supere o jogo sujo”: