Uma nova NFL? Ataques também podem ganhar campeonatos
Cada vez mais a liga vai mostrando que ataques são tão fundamentais quanto as defesas na NFL moderna
Acompanho a NFL desde 1998, quando me mudei para os Estados Unidos com sete anos de idade. De lá pra cá tenho me apaixonado não só pelo esporte em si, mas com a história do jogo, com ídolos e lendas do passado e do presente. Durante esse tempo, tenho lido biografias de grandes head coaches e grandes jogadores, e contos de jornalistas que traduzem o que aconteceu em períodos passados do futebol americano. Durante grande parte da minha jornada pelo esporte um fator tem sido predominante: defense wins championships (defesa ganha campeonatos).
Da poderosa Steel Curtain dos Steelers da década de 70 à supremacia dos Patriots no novo milênio, com a defesa à la Parcells de Bill Bellichick, as defesas indiscutivelmente fazem a diferença. Inclusive em Super Bowls. Talvez o grande comprovante disso seja a série de Super Bowls de Peyton Manning nos Broncos. Em 2013, Peyton chegou aos Broncos com o novo GM John Elway. Naquele ano o time teve o que foi possivelmente o melhor ataque na história da liga (no meu ponto de vista só perde para os Rams de 2001) quebrando recordes e atropelando rivais. Os Broncos chegaram com pinta de campeão na final. Porém ,diante da Legion of Boom de Seattle, os Broncos foram atropelados pela defesa dos Seahawks, que ergueram a taça.
John Elway aprendeu com a derrota, contratou Wade Phillips, a principal mente defensiva da liga, e montou a No Fly Zone, uma defesa aterrorizante liderada por Von Miller. O investimento defensivo levou o time ao segundo Super Bowl em três anos. Dessa vez com um Peyton Manning longe de brilhante, os Broncos enfrentaram o melhor ataque da liga, os Panthers de Cam Newton. O resultado foi um show individual de Miller, MVP do jogo, e mais um Vince Lombardi para a sala de troféus de Denver.
A NFL é repleta de exemplos como esse. Os 49ers de Steve Young só conquistaram o Super Bowl quando o time fez o investimento forte na defesa, incluindo as contratações de Deion Sanders e Richard Dent, depois de anos batendo na trave com o melhor ataque da liga. Os Rams de 2001, já citados aqui, com o Greatest Show on Turf, estagnaram no Super Dome diante da defesa prolífica dos Patriots comanda por Ty Law, Lawyer Milloy e Teddy Bruschi. O próprio time de New England, quando trocou para um DNA mais ofensivo com aquele grande ataque de Brady e Randy Moss que ficou 16-0 em 2007, morreu na praia diante do pass rush explosivo dos Giants de Michael Straham e Osi Umenyiora. Enquanto alguns dos melhores ataques na história da NFL não conquistaram o Super Bowl, as melhores defesas quase sempre terminaram a liga com rótulo de melhor time do mundo.
A verdade é que ataque vende ingresso. As regras são adaptadas para proteger os jogadores ofensivos por questões de segurança, mas também para aumentar o número de pontos marcados por jogo. Pessoalmente eu adoro um jogo travado entre duas grandes defesas, mas não tem nada igual a ver um ataque clicando em alto nível. Porém, os últimos anos começam a dar sinal de uma mudança na liga. Os últimos dois Super Bowls foram conquistados graças a grandes atuações ofensivas, com as melhores defesas decepcionando no big game e os jogadores ofensivos carregando o jogo de baixo do braço. Se na história da liga focar em montar uma grande defesa e ter um jogo terrestre eficiente ou um QB preciso em third downs era a receita de sucesso, hoje em dia caminhamos para uma NFL em que ter uma defesa de apagar as luzes não é o suficiente para conquistar títulos.
Em 2016 a liga contou com as defesas de Texans, Cardinals, Seahawks e Broncos como as melhores da liga. O Super Bowl nos trouxe o confronto de dois ataques explosivos, Atlanta e New England, que juntos com os Saints, lideraram praticamente todas as estatísticas ofensivas da NFL. Tudo bem que os Patriots foram a equipe que menos sofreram pontos na NFL, porém isso foi graças ao ótimo controle de jogo na parte ofensiva, e uma defesa fortíssima na red zone, a clássica bend but don’t break (enverga mas não quebra), enquanto os Falcons chegaram na decisão com uma das piores defesas da liga estatisticamente.
A temporada 2017 nos trouxe as defesas extremamente perigosas de Jacksonville e Minnesota. Dois times que investiram pesado, com pass rushers de qualidade para dominar qualquer OL e um grupo de secundária de dar pesadelos. Não encontrarmos alguém com muitos argumentos para debater que essas foram as principais defesas da liga em 2017. Porém ambos os times foram derrotados nas finais de conferência para rivais que adotaram a estratégia de que atacar era a melhor defesa. Sim, os Eagles não tinham uma defesa ruim em 2017, completamente o contrário disso. Chegaram ao Super Bowl graças a grandes atuações defensivas, com um pass rush repleto de jogadores de alto nível. Os Patriots também terminaram o ano com uma defesa que estatisticamente não pode ser considerada fraca. Porém, analisando bem os jogos de New England, ficava evidente que era uma defesa repleta de deficiências importantes.
O meu argumento é que não foram as defesas que venceram os jogos nos playoffs, e sim a ineficiência ofensiva das equipes com as melhores defesas. Em New England, os Jaguars não tiveram força para proteger uma vantagem de duas posses no último quarto do jogo porque o ataque estagnou. Sem aquela audácia ofensiva, o time previsível de Jacksonville deu a bola para o ataque dos Patriots, e Brady fez o que ele faz de melhor. Enquanto na Filadélfia os Eagles engoliram Case Keenum e tramaram um jogo ofensivo perfeito para Foles liderar uma destruição completa do time que havia operado um milagre na semana anterior. Talvez o maior comprovante dessa nova NFL veio no Super Bowl. Eagles e Patriots abdicaram completamente de defender, travando um confronto de 74 pontos em que uma parada defensiva foi o suficiente para que os Eagles conquistassem seu primeiro Super Bowl.
É claro que o segredo para um grande time sempre foi e sempre será o equilíbrio. Quando uma equipe reúne qualidade em todos os setores do jogo ela sempre terá mais vitórias e em geral, mais chances de vencer títulos. Porém o que temos visto é que estamos chegando em uma era em que GMs terão de repensar a maneira de como montar elencos. Caso equipes que investiram pesado na defesa como Vikings e Jaguars fiquem novamente para traz de outras como os Chiefs e Steelers, que trazem para o jogo nada mais que um ataque extremamente explosivo, teremos que repensar o velho ditado. Acredito que hoje, mais do que nunca, uma grande OL e uma comissão técnica que saiba montar esquemas para tirar o melhor dos jogadores à disposição se transformam nas peças mais importantes do esporte.
Quando temos finais de conferência com Case Keenum, Blake Bortles e um MVP de Super Bowl como Nick Foles, temos que repensar a importância da posição de glamour do futebol americano. Quando as grandes defesas começam a apanhar feio dos grandes ataques nos jogos decisivos, temos que repensar se ainda são elas que vencem títulos. Como um amante de grandes defesas, tenho dificuldade em admitir isso. Mas a NFL de hoje em dia pertence a cada semana um pouco mais aos times que deixam a pig skin voar sem receio.
(Fotos: Reprodução Twitter/Kansas City Chiefs); Kevin C. Cox/Getty Images)
*Por Raphael Fraga – comentarista de NFL para o USA na Rede e radialista para a Nossa Rádio USA em Boston. Me siga pelo Twitter @Fragafootball.
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