O que acontece com o Oakland Raiders é um grande desrespeito
Enquanto franquia está próxima de mudança para Vegas, retorno de Jon Gruden está longe de ter o efeito esperado
Há algumas semanas tenho analisado escrever algo sobre a temporada de 2018 do Oakland Raiders. Uma franquia que obteve headlines na offseason contratando novamente Jon Gruden, que já passou por lá há muito tempo, foi campeão do Super Bowl com o Tampa Bay Buccaneers e nos últimos foi comentarista do Monday Night Football na TV. Gruden se tornou o head coach mais bem pago da NFL. Com 10 anos de contrato e um percentual do time que vai se mudar para Las Vegas em 2020, Gruden teria completa autonomia e tranquilidade para recolocar os Raiders ao topo da NFL. Porém o que temos é uma verdadeira falta de respeito com uma das maiores franquias da liga.
Para o torcedor mais jovem do futebol americano essa afirmação pode parecer um exagero, afinal de contas a equipe tem sido uma piada na liga por um bom tempo, com exceção da temporada de 2016. Mas bem diferente de outras franquias que hoje são consideradas poderosas na AFC, os Raiders são uma das equipes responsáveis em tornar o esporte no que ele é hoje. Sob o comando do lendário Al Davis, os Raiders são uma das equipes fundadoras da antiga AFL e um dos grandes motivos da fusão de AFL e NFL.
A equipe de Oakland dominava a AFC Oeste na década de 70, conquistando a divisão seis vezes antes de ganhar o seu primeiro Super Bowl em 1976. Se hoje os Patriots são considerados os grandes vilões da NFL, pelo sucesso e histórico e por “trapacear”, são os Raiders que inventaram a estratégia de “dobrar as regras” e durante as primeiras duas décadas da NFL moderna, sob regulações muito mais frouxas do que as de hoje em dia, jogar contra eles era um pesadelo, de pancadas sujas a adversários dopados.
Comandados pelo também lendário John Madden, os Raiders eram os rivais perfeitos para a maior dinastia que a NFL já teve, o Pittsburgh Steelers da década de 70. De um lado os Steelers representavam o trabalhador americano, enquanto do outro os Raiders eram os motoqueiros briguentos. Em duelos épicos e cheio de controvérsias, as duas equipes marcaram seus nomes eternamente na história do futebol americano, e quem não conhece essa história vale a pena conferir. Do “Immaculate Reception” de 1972 ao duelo no AFC Championship de 1976, Raiders e Steelers era a grande referência de rivalidade na primeira década da NFL moderna.
A história dos Raiders é repleta de grandes nomes esquecidos pelos novatos do esporte. Do batedor Phil Villapiano, ao ‘Elemento Marginal” George Atkinson, do folclórico Fred Biletnikoff ao protagonista do “oceano de mãos” Ken Stabler. Howie Long, Jim Otto, Art Shell, Willie Brown. São tantos grandes nomes, jogadores hall da fama. Dá para escrever um livro descrevendo os personagens da história brilhante dos Raiders. Mas o time da controvérsia também brigava com os chefes da NFL fora do campo. Com a primeira grande batalha entre um dono e a NFL, Al Davis forçou uma mudança de Oakland para Los Angeles em 1982, o que abriu as portas para outras relocações na liga. O Los Angeles Raiders conquistaria o terceiro Super Bowl da franquia em 1983, e com uma comemoração um pouco constrangedora, que contou com o então comissário Pete Rozelle passando o Vince Lombardi para Davis. É impossível contar a história da NFL sem separar bastante espaço e carinho para o “Silver and Black“.
É verdade que os Raiders já mudaram de cidade algumas vezes. Também é um argumento válido que a equipe só foi aos playoffs quatro vezes desde que retornou a Oakland em 1994. Eu não tenho tanto problema com a relocação da franquia para Vegas, mesmo achando que é uma pena muito grande deslocar o time de sua torcida, uma das mais fanáticas, se não a mais fanática da NFL. A falta de respeito que cito aqui é como o time está se despedindo da cidade que tanto a abraçou nesses 60 anos de Raiders.
Enxerguei a contratação de Jon Gruden como algo muito positivo quando ela foi anunciada. A realidade é que ele foi o último HC a montar uma equipe de Super Bowl no Oakland Raiders. Se não fosse por uma marcação ridícula da arbitragem na polemica noite do “Tuck Rule”, os Raiders de Gruden teriam eliminado os Patriots de Tom Brady e Bill Belichick em pleno Gillette Stadium. Diante uma nevasca digna de New England, o time da Califórnia teria tirado dos trilhos aquele que viria a ser a referência de vitórias na NFL nos 20 anos seguintes. Como seria a NFL hoje caso a arbitragem tivesse acertado na marcação do fumble de Brady? Gruden trouxe o swag vitorioso que faltava a Jack Del Rio, e eu acreditava que os Raiders se preparavam para fazer de tudo para se despedir de Oakland e da Califórnia com um título, ou no mínimo de uma forma digna com a história do time com a cidade. Mas a realidade é o oposto extremo.
Para um time que há dois anos era candidato a Super Bowl, Gruden entrou com uma estratégia de reformulação drástica. Contratando veteranos contestados e se desfazendo de jovens talentos, eu acreditava que o técnico buscava moldar os Raiders em seu estilo “Pound the Rock”, um time que transformava jogos em batalhas campais em que a resistência física do adversário era testada. Esperava ver um time limitado tecnicamente, mas que fazia os adversários sentirem que quando enfrentassem os Raiders, terminariam o jogo na banheira de gelo se recuperando das dores. A opção controvérsia de não renovar com um dos melhores pass rushers da NFL, Khalil Mack, e trocá-lo para o Chicago Bears chamou atenção. “Chuck” se desfazia do seu melhor jogador defensivo, um cara capaz de alterar sozinho o nível de uma defesa, com a desculpa de que “éramos ruins com ele, vamos buscar ser melhor sem ele”. A troca trouxe mais escolhas no Draft para a reconstrução que o treinador quer e eu ainda dei o voto de confiança de que ele poderia estar planejando algo para o seu segundo ano. Ter trocado agora Amari Cooper confirmou a tese de que Gruden se preocupava mais com o futuro do que com a atual temporada.
O fato de Gruden ter assinado um contrato de dez anos com uma franquia que tem uma relocação acertada em duas temporadas o dá uma tranquilidade incrível para pelo menos três anos. Ele pode terminar os primeiros dois com o mesmo recorde que Hue Jackson no Cleveland Browns que não será demitido. Também é complicado cobrar o treinador no primeiro ano na nova cidade – a menos que o nome dele seja Jeff Fisher. Essa mudança sempre pode ter um resultado negativo antes de surtir efeito. Porém o que temos nos Raiders hoje é um time completamente desequilibrado, desinteressado em vencer.
A conversa de “tankar” sempre rodeia os times com os piores recordes e sem chances reais de chegar aos playoffs, mas os Raiders parecem visivelmente perder de propósito. A atuação diante dos 49ers em primetime no ultimo TNF foi uma afronta à história da instituição. Um HC que fez o seu nome nessa franquia icônica, deveria respeitar um pouco mais as raízes do time. O torcedor de Oakland que ainda comparece aos jogos e que provavelmente irá continuar torcendo pro time em Vegas merece mais respeito. Os Raiders merecem se despedir da cidade de Oakland com dignidade, com a cabeça erguida.
No final desta temporada mais nomes devem ser negociados. Bruce Irving, o principal linebacker do time nos últimos anos ao lado de Mack, já foi cortado. Dizem que Derek Carr pode ser utilizado como moeda de troca. Sinais de que Jon Gruden também não virá para 2019 com a intenção de vencer alguma coisa e sim estocar munição para o Las Vegas Raiders. É verdade que no momento eles contam com cinco escolhas de primeiro round nos próximos dois Drafts, o suficiente para reformular um elenco. Acertando em pelo menos três dessas escolhas, Gruden já pode ter um time forte e com a sua cara em 2020. Porém a história nos diz que calouros precisam de tempo para se adaptar, ainda mais quando encontram um time devastado de talento como são os Raiders em 2018.
Pode ser que Gruden esteja olhando para o futuro, com um plano mestre que nos trará um Las Vegas Raiders fortíssimo. Em 2019 o Draft promete vários grandes nomes para a mesma função de Mack. Pode ser que Gruden seja o gênio mal-entendido nesse momento, afinal, todos os gênios têm um toque de loucura. Só que a grande vítima nessa revolução são os torcedores de Oakland, que foram de candidatos a Super Bowl antes da contusão de Carr em 2016, a se despedir do seu amado Raiders com vexames em 2018 e provavelmente 2019.
Não sou torcedor do Oakland Raiders, mas respeito e admiro a história da franquia que ajudou a transformar a NFL no que ela é hoje. Para mim, é uma vergonha Mark Davis, atual dono, e Jon Gruden não respeitarem o time que Al Davis e John Madden transformaram nos “Homens Mais Procurados da América”.
(Foto: Joel Auerbach e Ezra Shaw/Getty Images; Reprodução Twitter/NFL)
*Por Raphael Fraga – comentarista de NFL para o USA na Rede e radialista para a Nossa Rádio USA em Boston. Me siga pelo Twitter @Fragafootball.
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