Entenda por que Melvin Gordon e Ezekiel Elliott negociam por mais que só os próprios contratos
Running backs de destaque na NFL, Gordon e Elliott representam também a tentativa de valorizar a posição
A carreira de running back não é das mais favoráveis do mundo. Um dia você está no topo, no outro você é descartado como uma máquina velha que não tem mais utilidade. É quase como um carro. Quando você compra um carro zero, modelo do ano, motor de ponta, design moderno, todos te invejam. É um sinal de sucesso, poder e triunfo na nossa sociedade. Na NFL, o carro zero é o running back.
A moda recente é utilizar altas escolhas no Draft para selecionar os mais turbinados corredores do college. Foi assim com Ezekiel Elliott nos Cowboys, Todd Gurley nos Rams, Melvin Gordon nos Chargers, Christian McCaffrey nos Panthers, Leonard Fournette nos Jaguars e Sony Michel nos Patriots. Voltando um pouco mais, foi assim também com Adrian Peterson nos Vikings e Marshawn Lynch nos Seahawks.
Acontece que, assim como no mercado de carros, o valor de um running back cai muito assim que você o tira da fábrica (college). Um back usado é bem menos valioso que um novinho em folha. “Quantos KMs rodados tem esse Azera?” se torna “quantas carregadas Le’Veon Bell já tem na carreira?”. E aqui chegamos ao ponto deste artigo.
Le’Veon Bell se tornou um case study muito importante para os outros running backs de ponta na NFL. No auge da sua carreira ao final da temporada de 2017, Bell foi alvo novamente da franchise tag, modelo contratual previsto pela liga para garantir que os times possam manter ao menos um de seus jogadores por mais um ano em seu contrato, contanto que paguem a média dos cinco maiores salários da posição. Caso a tag seja utilizada em anos consecutivos, como foi o caso de Bell, o valor do salário deve ser 20% superior ao ano anterior.
Por que, então, Bell optou por não assinar a franchise tag? Ora, simples, o jogador buscava um contrato lucrativo a longo prazo, que o protegesse em caso de lesões e/ou queda de performance.
Não acho que seja à toa o atual ‘levante’ dos running backs. Assim como Bell fez sua própria ‘greve’ para tentar um contrato melhor com os Steelers – o que acabou deixando o jogador um ano fora da liga, até que pudesse finalmente se tornar agente livre e assinar um contrato mais extenso com o New York Jets – Melvin Gordon e Ezekiel Elliott não compareceram aos training camps de Chargers e Cowboys, respectivamente, neste final de julho, e são os assuntos da liga neste momento, enquanto também querem contratos melhores.
Gordon já chegou até a falar que não estaria fazendo isso só por si, mas sim por todos os jogadores da posição na liga. Rashad Jennings, ex-running back de Giants e Jaguars, deu entrevista apoiando o jogador dos Chargers na sua batalha por um novo contrato.
Existe um ditado no futebol americano que diz que NFL quer dizer Not For Long, ou “Não Por Muito Tempo”. A média da carreira de um jogador desse esporte é de 3,3 anos de acordo com a NFLPA. Isso significa que a maioria dos jogadores nem chega ao fim do contrato de calouro, que dura em média quatro anos.
Fica mais claro enxergar, dessa forma, que os running backs possuem poucas oportunidades de negociar com as franquias em uma posição de vantagem. Isso porque, quando estão no auge de suas carreiras – que geralmente ocorre entre os 23 aos 27 anos – ainda estão válidos os contratos assinados enquanto calouros, que não possuem margem de negociação (a NFL fixa um valor específico para cada jogador conforme a posição em que foi draftado, apenas o fluxo de pagamento e algumas linguagens contratuais podem ser discutidas).
Ou seja, a única opção para jogadores como Elliott, Bell e Gordon é o holdout. Cientes da importância que suas corridas têm no sucesso de suas equipes, os jogadores usam a única arma disponível para tentar garantir um segundo contrato lucrativo e evitar a insegurança de colocar seus corpos em risco toda semana sem um contrato a longo prazo.
Para mim, um dos casos mais emblemáticos é o do agora aposentado DeMarco Murray no Dallas Cowboys. Em 2014, no último ano de seu contrato de calouro, Murray correu para 1.845 jardas e 13 touchdowns, liderando a liga em ambas as categorias. No entanto, ele cometeu um pecado capital para os running backs da NFL: ficou ‘velho’ ao, em 2015, completar 27 anos. Seu destino logo seria o ferro velho.
Os Cowboys sabiam que o running back não tinha mais muitos anos no tanque – Murray se aposentou em 2017 – e não lhe fizeram uma oferta lucrativa para permanecer na equipe texana. Ao invés disso, o jogador aceitou uma oferta maior do Tennesse Titans, levando seu talento para Nashville, onde sofreu com lesões e se aposentou pouco depois. Se tivesse feito um holdout ANTES da temporada de 2014, talvez o jogador tivesse recebido um contrato mais lucrativo, forçando a mão dos Cowboys a gastar mais para tentar ter sucesso naquela temporada, sem muita preocupação com o futuro.
E é justamente essa a aposta dos running backs atuais. Apostar em um corredor é apostar no presente em detrimento do futuro. É penhorar o amanhã pelo hoje. Times em fase de ‘reconstrução’ costumam evitar comprometer muitos recursos na posição – o que justifica, por exemplo, as críticas que grande parte da imprensa fez aos Giants por escolherem Saquon Barkley com a segunda escolha do Draft no ano passado.
O valor de um running back hoje é muito maior do que o valor amanhã. Na NFL de 2019, não se gasta escolhas de Draft ou dinheiro com a posição pensando no futuro, sim no presente. Assim como o carro, um RB é o pior investimento que se pode fazer pensando no futuro, mas precisamos dele no presente.
Todd Gurley recebeu um contrato lucrativo ao final da temporada de 2017, mas viu sua performance diminuir muito no fim da última temporada e, não fosse seu novo contrato, provavelmente os Rams já lançariam Gurley ao “ferro velho”.
É compreensível que os times entendam que não só running backs não têm longa duração na NFL como que é possível encontrar substitutos facilmente. É o caso por exemplo de Phillip Lindsay, que assinou com os Broncos no ano passado após nem ser draftado e superou as 1.000 jardas corridas. Lindsay que é um candidato a holdout, especialmente se seguir a cartilha de seus colegas de posição, já que ano que vem entra em seu último ano de contrato já com 26 anos.
Como torcedor e amante do esporte, nunca é legal ver os melhores jogadores da liga de fora do espetáculo. Porém, é importante entender que os jogadores são a matéria prima do espetáculo, colocando em risco sua saúde cada vez que entram em campo, razão pela qual devem receber a proteção contratual adequada.
Muitos analistas viram a situação de Bell com os Steelers como uma derrota para o running back, que não só ficou um ano fora da liga sem receber salário como assinou um contrato com os Jets que, embora mais extenso, ficou abaixo dos valores pretendidos pelo jogador. No entanto, esses novos holdouts de Gordon e Elliott provam que Bell conseguiu ao menos parte do que queria: inspirar os jogadores da posição a negociarem novos contratos o mais cedo possível, antes que virem sucata.
(Fotos: Reprodução Twitter / Dallas Cowboys; divulgação / Los Angeles Chargers)