Como me apaixonei pela NFL em 1998 assistindo a Elway x Favre
O comentarista do USA na Rede Raphael Fraga conta como nasceu seu amor pelo futebol americano
O meu amor pela NFL começou na noite do dia 25 de janeiro de 1998. Me lembro da minha primeira partida, em que eu tive o prazer de acompanhar ao vivo dois dos melhores quarterbacks que eu já tive o prazer de ver e algumas das melhores atuações individuais na história do jogo. Mas a partida trouxe muito mais que grandes nomes e uma ótima partida. Era um jogo que transbordava personalidade e histórias que pareciam ter sido fabricadas pra um roteiro de Hollywood.
Na época eu só tinha oito anos, tinha acabado de chegar nos Estados Unidos (onde moro até hoje), ainda não entendia a dimensão do Super Bowl ou antecipava o quanto aquele jogo iria influenciar a minha vida, me apresentando a um esporte que me cativaria durante os próximos 20 anos. Mas logo de cara eu percebi que era um confronto entre gigantes, lendas em situações opostas. De um lado havia Brett Favre, animado, brincalhão, de uma forma ate um pouco arrogante. A única coisa que eu sabia antes da partida é que ele era “o melhor” e que tinha vencido o ultimo SB em cima dos Patriots – como eu morava em Boston, não era um fator que trazia muitos fãs para Favre no meu bairro. Do outro lado tínhamos John Elway, veterano. Ele parecia um velho general à beira da aposentadoria, as rugas visíveis, algo que me deu a falsa percepção de fragilidade, enquanto aqueles que acompanhavam o jogo comigo falavam que ele “amarelava” nos jogos grandes.
Somente anos depois eu fui realmente entender o futebol americano e o significado daquela partida. Muito depois do apito final, depois de Elway e Favre se aposentarem, depois que a minha paixão pelo esporte se transformou em uma obsessão em aprender tudo que é possível sobre futebol americano e os gigantes do “grid de ferro”. Eram figuras bem diferentes entrando para aquele jogo. Favre, foi o terceiro QB selecionado no Draft de 1990, vindo da modesta Universidade de Mississipi. Elway foi a primeira escolha no Draft de 1983, depois de brilhar em Stanford. A semelhança é que os dois acabaram sendo trocados: Favre, com problemas disciplinares no Atlanta Falcons, acabou indo para o Green Bay Packers no ano seguinte; Elway sequer vestiu o uniforme do Baltimore Colts (hoje Indianapolis), forçando uma troca para o Denver Broncos, onde jogaria toda a carreira.
Mesmo com as dificuldades de um QB iniciante na NFL, John Elway sempre foi tratado com grande expectativa dentro da NFL, e logo na sua terceira temporada levou os Broncos para o seu primeiro Super Bowl, em um playoff que contou com uma das drives mais geniais na história da liga, na final da AFC, quando liderou uma improvável virada frente aos Browns. Na decisão, derrota para os Giants. No ano seguinte, mais uma jornada ao SB, dessa vez contra os Redskins, mas com três interceptações sofridas, essa seria a segunda derrota consecutiva de John e os Broncos.
Dois anos depois, Elway voltaria para seu terceiro Super Bowl, dessa vez, uma derrota sonora diante dos 49ers de Joe Montana e Bill Walsh 55-10, a maior surra na história da final. O QB de Denver encerraria suas participações em Super Bowls da década de 80, com uma pífia atuação de somente 10 passes completos em 26 tentativas, 108 jardas e duas interceptações e o rótulo de amarelão.
Brett Favre, do outro lado,jamais despertou qualquer tipo de expectativa entrando na liga. Nos Falcons, um Draft contestado dentro da comissão técnica. Ele mal viu o campo e quando entrou foi sem deixar saudades (ou completar um passe). Com problemas de peso causados pelas noitadas, acabou sendo trocado para os Packers no ano seguinte. Como Elway, Favre demorou três anos no seu novo time para levar a equipe a um SB. Dez anos depois da primeira derrota de Elway na decisão, Favre e os Packers venceriam os Patriots no New Orleans Super Dome, trazendo o primeiro Vince Lombardi para Green Bay desde que o troféu havia recebido o nome do seu lendário ex-head coach.
Jornadas com algumas semelhanças, porém com diferenças drásticas. E em janeiro de 98, era o jovem campeão contra a velha lenda que parecia que terminaria a carreira sem o prêmio mas prestigioso do esporte. Entre os dois tínhamos 20 Pro Bowls, três MVPs e inúmeros recordes. Porém o que mais me marcou como um iniciante no esporte foi a raça, perseverança e amor pelo jogo que os dois demonstraram em campo.
De um lado Favre era explosivo, eletrizante, agressivo. Ele se movimentava atrás da linha ofensiva sem medo das pancadas que vinham com frequência, desviava e criava espaço, lançando passes subatômicos que em certos momentos pareciam impossíveis e em outros acabavam nos braços adversários. Do outro, Elway se movimentava como um titã da mitologia grega, não tão ligeiro como seu adversário mais jovem, porém com um peso e convicção que não deixavam dúvidas sobre a vontade sobrenatural do camisa número 7.
John se apoiava na brilhante partida de Terrell Davis, outra figura improvável na final, que acabou dominando a partida e conquistando o prêmio de MVP do jogo. Mas o incrível acontecia. Em lances decisivos, sem ninguém para lançar a bola, Elway corria, lentamente, mas com aquele peso que parecia mover montanhas e prender os defensores ao chão, se lançando à grama e conquistando aquelas ultimas jardas decisivas.
O jogo foi lá e cá. Explosivo e divertido, não tínhamos tempo para respirar antes de mais uma jogada eletrizante que fugia das logicas de física que eu entendia aos oito anos. Mas uma jogada ficaria marcada eternamente na minha memória como uma das minhas prediletas. No terceiro quarto, com a partida empatada em 17 pontos. Era terceira para oito jardas para o first down. Elway recebe a bola e busca opções de passe. Ele corre para cima de sua linha. Em câmera lenta é possível ver os olhos dele buscando alguém para receber o passe, dá para perceber o momento em que ele vê o espaço para correr, o momento em que ele acredita nas suas pernas. Aos 37 anos, John Elway corre, três jogadores dos Packers fecham o ângulo, ele percebe que a única chance de conquistar o first down é se ele se jogar de ponta a cabeça, e isso que ele faz. Com um mergulho, sem medo das consequências, Elway se lança para o first down, os três defensores batem nele com tanta forca que o QB gira no ar, na jogada que ficaria conhecida como o “Helicóptero”. Os Packers reclamam, mas não tem como. Em um dos lances mais brilhantes da sua carreira sensacional, Elway conquista mais um first down e abre as portas para a vitória dos Broncos.
Terrell Davis marcaria mais um TD. Um par de turnovers, primeiro em um fumble e depois em uma interceptação de Elway na end zone, e um brilhante drive de 85 jardas de Favre e os Packers deixariam o jogo empatado no quarto. Davis correria para o seu terceiro TD do jogo, consolidando o RB que sequer foi draftado como MVP do jogo – anos depois, carimbou ainda vaha no Hall da Fama. Nos momentos finais, Favre lideraria mais um drive com a esperança de levar o jogo ao OT, mas a defesa dos Broncos segurou o poderoso ataque de Green Bay, conquistando o primeiro Super Bowl de Denver e Elway.
Na minha vida, aquele jogo sempre ficará marcado como o início de uma grande paixão. O frenético e eletrizante ritmo da partida me deixou acordado por bela parte da noite, imaginando um dia lançar a bola como Elway e Favre. Me recordo de acordar na manhã seguinte e perguntar para os amigos “quando era o próximo jogo?”. No roteiro de Hollywood, a AFC quebrava uma sequência de 13 vitorias consecutivas da NFC no Super Bowl. Em um duelo de dois HCs que fizeram história como coordenadores ofensivos dos 49ers.
Para John Elway, até então o grande perdedor amarelão de Super Bowls, foi só o primeiro de dois consecutivos, já que os Broncos repetiram o titulo no ano seguinte contra os Falcons. Dessa vez com Elway sendo o eleito MVP no que marcou o último jogo na sua brilhante carreira. Brett Favre, por sinal, quebrou recordes, continuou sendo um dos QBs mais populares e respeitados da liga, mudou de time duas vezes, mas jamais retornou ao grande palco da NFL.
Mais de 20 anos depois daquela lendária noite em San Diego, uma nova temporada se inicia, com a perspectiva e esperança de novos ídolos, consagrações de velhos ícones, novos fãs surgindo e a garantia de muitas histórias e emoções que os melhores roteiristas de Hollywood não poderiam imaginar. Welcome back NFL, o grid de ferro aonde guerreiros viram lendas nos domingos.
*Por Raphael Fraga – comentarista de NFL para o USA na Rede e radialista para a Nossa Rádio USA em Boston. Me siga pelo Twitter @Fragafootball.
(Fotos: Focus on Sport/Getty Images; Rick Stewart / Freelancer/ Getty Images)
…
Ouça o podcast USA na Rede no Soundcloud do The Playoffs: www.soundcloud.com/theplayoffsbr
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor, não refletindo necessariamente a opinião do portal The Playoffs.