Desculpe o transtorno, preciso falar de Kevin Garnett
Sai de cena um dos mais apaixonados pelo basquete e nada melhor do que um texto de quem conhece bem Garnett
Os rumores começaram e me recusava a acreditar. Pensava que daria mais um ano. Todo ano. A confirmação veio quando eu estava num bar (ah, esses malditos bares com ESPN…). Lágrimas escorreram por um rosto incrédulo e o álcool foi o refúgio do momento. O maior ídolo do Minnesota Timberwolves anunciou sua aposentadoria. A partir dali, não haveria mais Kevin Garnett em quadra.
Conheci ele no NBA Live 2003, jogo pra PlayStation One que tinha Jason Kidd do New Jersey Nets na capa. Eu tinha dez anos e pela primeira vez passava a me interessar pelo esporte da bola laranja. Não conhecia muito, mas obviamente já sabia quem era Michael Jordan. Na época, também sabia da força do Lakers com sua dupla Kobe e Shaq.
Dei uma boa olhada nos times e o que mais me chamou a atenção de cara foram os Timberwolves. Escolhi os lobos para enfrentar Los Angeles na minha primeira partida e me apaixonei pela quadra. Lá estava ele, um tal de Garnett. Era o único que fazia festa naquele time. Ganhei a partida por 50 a 40, com 46 pontos do camisa 21.
Mal sabia eu que Garnett já doutrinava desde 95, quando eu tinha dois anos. A partir daí foi só amor. E veio a temporada mágica de 2003-04. MVP com todos os méritos e aquela série memorável de sete jogos contra Sacramento Kings de Divac, Webber, Bibby e Stojakovic. KG finalmente tinha seus companheiros no mais alto nível em Sam Cassell e Latrell Sprewell.
Pela primeira vez o Minnesota chegou numa final de Conferência, mas não foi páreo para o Lakers, perdendo por 4 a 2. Cassell foi trocado e Sprewell não quis renovar contrato. Garnett voltou a brigar como lobo solitário pelos Lobos. Mesmo “sozinho”, Garnett continuou com suas médias sensacionais, sua garra inigualável, sua raça inalcançável, sua gana de vencer insuperável e seus trash talks famosos.
Insatisfeito com a incompetência da diretoria em lhe proporcionar um time decente, KG decidiu que era hora de partir. Após 12 anos fazendo chover em Minneapolis, The Big Ticket ia embora dos Timberwolves. Minnesota nunca mais voltou aos playoffs da NBA até hoje, as oito participações da franquia na pós-temporada foram com Garnett.
Quem sorriu foi o Boston Celtics que cedeu seis jogadores e um escolha de draft por KG. Garnett se juntou a Ray Allen e Paul Pierce num dos maiores trios da história da NBA. O Big Three conquistou o título logo de cara. Além do anel de campeão, KG conquistou também a torcida do Boston e é tão idolatrado em Boston quanto é em Minneapolis.
Atire a primeira pedra o torcedor dos Wolves que não torceu para os Celtics assim que Garnett foi para Boston. E seja qual time fosse, a torcida era para que KG realizasse o seu sonho de ser campeão. Sonho que ele buscou com todas as forças que tinha (e que não tinha) enquanto esteve nos Timberwolves. É comum a frase de um torcedor brasileiro do Minnesota ser: “meu primeiro time é Wolves, meu segundo é onde KG estiver”. Quem não se emocionou com seu grito de “Anything is possible” ainda em quadra após conquistar seu título da NBA?
Garnett colocou Minnesota nos holofotes da NBA e do mundo. Fez a franquia ser famosa e figurar entre as principais durante anos. Deu tudo de si pelo time com um jeito único de ser, o jeito KG. Fez tudo com extrema paixão dando 200, 300, 400% de si em quadra dia após dia, jogo após jogo.
Sua idolatria não é à toa. A forma como saiu, também não. Todos entenderam, apoiaram e continuaram torcendo por Garnett em sua mudança para Boston. Diferente do que vemos com Kevin Durant atualmente… E KG é incrível, sempre demonstrou respeito ao Minnesota e sempre foi ovacionado quando voltava a enfrentar os Wolves. Mesmo assim, dava tudo pelos Celtics em quadra e comemorava feito louco quando vencia Minnesota. É seu estilo, sua paixão. Nenhum torcedor dos Wolves se sentia provocado. Pelo contrário, sabia que aquilo era significado de respeito e amor que KG tem pelo jogo e por vencer. Afinal, conhecíamos Garnett como ninguém.
Nos Celtics, ele continuou aprontando das suas. Como não lembrar dele fazendo Glen “Big Baby” Davis chorar? Ou quando se recusou a cumprimentar Ray Allen, acusando-o de traição por ter se juntado a LeBron James no Miami Heat? KG cortou relações com Allen e apagou seu telefone da agenda.
Seu jeito explosivo e totalmente passional não passou despercebido na NBA. Ou amam ou detestam KG. Mas todos concordam que foi uma dos maiores jogadores que a liga já viu e possivelmente o maior competidor já visto no esporte.
Após temporadas ruins no Brooklyn Nets, Garnett voltou pra casa. Já em fim de carreira, KG estava de volta pra fazer seus últimos jogos da carreira pela franquia que o draftou. Muito mais na função de tutor para o time promissor do Wolves do que como jogador decisivo em quadra.
KG retomou a parceria com o técnico Flip Saunders, dos tempos áureos do Minnesota. Infelizmente, Flip faleceu devido a um câncer e Garnett se tornou ainda mais influente no comando dos Timberwolves. Virou praticamente auxiliar do limitado e contestado Sam Mitchell na última temporada.
Garnett trouxe sua mentalidade vencedora e passional do basquete para o vestiário. Os próprios jogadores do Minnesota não cansam de dizer isso. Zach LaVine e Andrew Wiggins, duas das maiores promessas da NBA, rasgam elogios a KG.
Glenn Robinson III, que nem está mais nos Timberwolves, disse que costumava chegar no ginásio duas horas mais cedo no treino, antes de todo mundo. Um dia, ele chegou e viu alguém correndo em alta velocidade no escuro, era Garnett no seu primeiro dia de trabalho após voltar aos Timberwolves.
KG fez o passado dos Wolves e pode ter lapidado seu futuro. Karl-Anthony Towns, um dos maiores prospectos dos últimos anos, teve Garnett como seu professor particular durante um ano inteiro. No seu ano de calouro, KAT já foi ROY unânime. Além do prêmio, o jovem já mostra semelhanças com KG no seu jogo de quadra e em sua mentalidade vencedora e de querer carregar Minnesota de volta aos playoffs.
Garnett não deve nada aos Timberwolves, mas sim o contrário. O ala-pivô será para sempre o maior ídolo da franquia. Mesmo que Towns, Wiggins, LaVine, Dunn ou outras gerações levem Minnesota ao título, Garnett ainda sim será maior que eles. KG mudou a história da franquia e caso o Timberwolves volte a ser uma força, tudo se deve ao legado deixado por Garnett.
Para todos, um dos maiores alas-pivôs da história da NBA. Para muitos, o segundo melhor, atrás apenas de Tim Duncan. Para alguns, o melhor. Para os torcedores dos Timberwolves, o melhor de todos (Jordan Who?). Clubismo à parte, Kevin Garnett será membro do Hall da Fama incontestavelmente. Pela sua paixão, pela sua categoria, pela sua intensidade, pelos seus números, pela sua garra, pelo seu amor pelo basquete e porque jogava pra c*&¨$%#.
Obrigado, KG! Sentiremos saudades e como você mesmo nos ensinou: Anything is possible!
Alguns números da carreira de Garnett:
Campeão da NBA – 2007/08
MVP da NBA – 2003/04
MVP do All-Star Game – 2002/03
Defensive Player of the Year – 2007/08
15 participações no All-Star Game
12 seleções para o time ideal defensivo da NBA
9 seleções para o time ideal da NBA
Medalha de Ouro dos Jogos Olímpicos de 2000
Único jogador da NBA a:
– Manter uma sequência de 20 pontos, 10 rebotes e 5 assistências por jogo durante 6 temporadas consecutivas (1999 a 2005)
– Manter uma sequência de 20 pontos, 10 rebotes e 4 assistências por jogo durante 9 temporadas consecutivas (1998 a 2007)
– Ter pelo menos 25 mil pontos, 10 mil rebotes, 5 mil assistências, mil e quinhentos tocos e mil e quinhentos roubos de bola.
No total das suas 21 temporadas:
1462 jogos; 50.418 minutos; 26.071 pontos; 14.662 rebotes; 5.445 assistências, 1.859 roubos e 2.037 tocos.
Suas médias:
17.8 pontos; 10 rebotes; 3,7 assistências; 1,3 roubos; 1,4 tocos; 49,7% FG; 27,5% 3P; 78,9% FT
(Fotos: Stephen Dunn/Getty Images; Reprodução Facebook/Kevin Garnett)