[ESPECIAL] De Yan Gomes a Eric Pardinho, a abertura do caminho para o Brasil na MLB – parte 1
Como os primeiros brasileiros na MLB tornaram possível sucesso de assinaturas de jogadores do País em 2017?
Eric Pardinho, Heitor Tokar, Christian Pedrol, Victor Coutinho, Vitor Watanabe. Os cinco jovens talentos do beisebol brasileiro assinaram, neste ano, contratos com franquias da Major League Baseball, comprovando que a geração é forte. Seria isso, porém, o suficiente para dizer que essa é a melhor safra da história do esporte no Brasil?
Ou as assinaturas são a consequência do sucesso de desbravadores da geração que já está no topo da cadeia do beisebol norte-americano, que tem como expoentes Andre Rienzo, Paulo Orlando, Leonardo Reginatto e Yan Gomes (que teve uma trajetória diferente dos demais, pois mudou-se para os Estados Unidos mais cedo e foi selecionado no Draft)?
Antes de começar, um adendo: 2017 não estabeleceu qualquer recorde de assinatura de jovens brasileiros. Em 2005, o Brasil teve uma safra semelhante do ponto de vista numérico. Assinaram contratos com franquias da Major League Baseball Paulo Orlando, Fábio Murakami, Heitor Correa, Bruno Doi, Anderson Gomes e Gilmar Pereira, sendo que os últimos dois atuaram no beisebol japonês. Isso significa que, 12 anos atrás, as franquias já conheciam o nível dos jogadores brasileiros. No entanto, a marca ficou perto de repetir-se apenas em 2017.
Desde janeiro, o The Playoffs ouviu diversas figuras relevantes do esporte nacional para tentar entender o fenômeno dessa nova safra. Essas entrevistas proporcionaram duas reportagens especiais. A primeira você vê agora, falando sobre o presente. Afinal, é uma geração de ouro, com talento único? Ou o desempenho é semelhante, mas o sucesso verde e amarelo nos últimos anos aumentou o olhar sobre o país? Será que a infra-estrutura melhorou, e isso ajuda a nova geração? Com as respostas, quem faz o beisebol no Brasil (e quem transforma o grafite em diamante, também).
Para Caleb Santos-Silva, coordenador internacional de desenvolvimento da Major League Baseball, o crescimento na quantidade de atletas assinando com franquias da MLB é a ponta de um iceberg. “As franquias olham mais para o Brasil porque os jogadores que vieram antes (dessa safra) causaram essa atenção. Por exemplo, a contratação do Luiz Gohara (pelo Seattle Mariners, em 2012) surpreendeu muita gente. O talento do Gohara e de outros atletas justificou o investimento feito pelas franquias”, explicou ele.
Andre Rienzo, primeiro arremessador brasileiro na MLB e um dos responsáveis por abrir essa porta, explicou que o cenário era diferente quando ele assinou com o Chicago White Sox. “Não sei se a minha geração foi um fator importante para a mudança (na visão das franquias sobre o Brasil). Se sim, fico muito grato. Posso falar que na minha época não havia tantos olheiros, era o começo da Copa Seattle Mariners e, no máximo, contando alto, o Brasil recebia cinco scouts por ano”, afirma o jogador, atualmente recuperando-se de uma cirurgia no cotovelo.
Esse cenário é confirmado por outro membro desta safra, Leonardo Reginatto, infielder do Rochester Red Wings, equipe afiliada ao Minnesota Twins no Triple-A. “Houve um impacto causado pelo Paulo Orlando, Yan Gomes, Andre Rienzo. Eu senti o impacto quando defendi o Brasil no Japão (World Baseball Classic de 2013). Eu era atleta do Tampa Bay Rays, cheguei com o Spring Trainning em andamento e vários jogadores e treinadores da MLB vieram comentar bom trabalho, mais scouts foram ao Brasil. Foi um processo, o primeiro brasileiro na MLB, o Brasil no WBC, isso abre olhares e pouco a pouco, vai melhorando”, apontou ele.
Os dois apontaram outra diferença: o modelo como o processo de seleção aconteceu. “Não havia olheiro, então fomos direto ao Chicago White Sox. Não havia showcase, tryout, você ligava e o olheiro encontrava você para ver. Existia um cubano chamado Santana, que ligou para os White Sox, a franquia mandou um olheiro mais experiente e eu e o Murilo (Gouvea, atualmente no beisebol do Canadá) assinamos com o Chicago. No Brasil não existia agente, era coisa de luxo”, disse Andre sobre sua assinatura de contrato.
O caso de Leonardo foi semelhante. “Eu não tinha agente na época, assinei com o Adriano de Souza, que trabalha com o Tampa Bay Rays. Houve alguns jogos contra uma seleção colegial do Japão, em comemoração aos 100 anos da imigração japonesa, e o Adriano estava assistindo. Ele perguntou se eu teria interesse em fazer um tryout. Fiz três, um em Curitiba, um em São Paulo e o último em Marília”, recordou o jogador.
Olheiro do Houston Astros no Brasil, Thiago Ramos de Sousa também destaca a evolução da estrutura dada aos garotos como essencial para o surgimento desta safra. “Não é uma geração de ouro (a primeira) porque os jogadores são melhores, o que existe são diversas circunstâncias que abriram os olhos das franquias para o Brasil. A geração atual, em que você pode incluir o Thyago Vieira, o Luiz Gohara, todos que saíram nos últimos quatro a cinco anos, desde que começou o investimento da Major League Baseball no Brasil, sai mais refinada, porque está sendo melhor preparada e mais cedo”, aponta ele.
Para explicar, ele faz uma comparação: “Leonardo Reginatto e Paulo Orlando, por exemplo, não tiveram a oportunidade de treinar 100% do tempo em uma academia administrada pela MLB, com técnicos internacionais que foram jogadores profissionais, com uma equipe administrativa, de scouting e da CBBS, com o auxílio do Thiago Caldeira, além de um pensamento maior ate na parte física, para evitar lesões”, afirma o scout dos Astros.
Caleb Santos-Silva também ressalta a diferença na preparação. “Acho que os jogadores brasileiros que assinaram contrato em 2017 não são necessariamente melhores do que os que assinaram em outros anos. Do ponto de vista de desempenho, eles são iguais, talvez quem veio antes tinha o mesmo nível atlético, mas menos conhecimento. Há mais atletas, mas em termos de desempenho, eles estão mais preparados para o que vão enfrentar. Então, dá para dizer que eles têm mais oportunidades, pois podem preparar-se melhor, o ensino técnico melhora a cada ano no Brasil”, garante o coordenador da MLB.
Até mesmo o agente Rafa Nieves, representante de Eric Pardinho na negociação com o Toronto Blue Jays, chama a atenção para esse aspecto. “Não conhecia o nível do beisebol no Brasil, só o Luiz Gohara, e achava que era um caso à parte, que veio do nada. Fui ao CT Yakult ver o Eric, estava ocorrendo um showcase para as franquias com mais de 200 jogadores. Saí com o sol se pondo e uns 100 atletas ainda tentavam apresentar-se. Isso mudou minha percepção. Paulo Orlando e Yan Gomes chegaram à MLB antes do investimento no Brasil. Com o CT Yakult e a Academia da MLB, o beisebol pode crescer muito”, explica ele.
Reginatto, porém, divide os louros com os próprios beneficiados pelo ciclo virtuoso. “Acho que hoje há mais infra-estrutura e visibilidade do que minha geração teve, há mais scouts, mais chances de chamar a atenção pelo talento, mas foi um trabalho que os jovens conseguiram. Abrimos as portas, colocamos o nome do Brasil em evidência, mas o que eles estão colhendo é fruto do trabalho dessa geração, para mim é mérito deles, que prepararam-se”, cita o infielder.
Essa opinião encontra o aval de um personagem já citado nesse texto. Luiz Gohara, que era o responsável pelo maior bônus de assinatura de contrato para um brasileiro até o acordo de Eric Pardinho, ressalta os méritos dos mais novos. “Estou feliz que eles tenham conseguido, porque todos vieram correndo atrás disso, trabalharam duro no Brasil para conseguir esses contratos”, disse ao repórter Gustavo Tomazeli, da Rádio EsportesNET, o arremessador recentemente promovido ao Gwinnett Braves, do Triple-A.
Em janeiro, Barry Larkin e Steve Finley vieram ao Brasil exatamente para inaugurar a Academia da MLB, nova etapa de um processo que começou com o Elite Camp. Ambos já haviam cantado a pedra, naquela época, em entrevista ao The Playoffs. “Eu tenho visitado o Brasil nos últimos três ou quatro anos (por conta do Elite Camp), e vi bons jogadores surgindo em todos esses anos”, disse Finley à época.
Já Larkin foi além. “Uma presença diária é muito importante, e a academia cria uma espécie de ponto central no Brasil, na América do Sul, na verdade. Ibiúna será o local para ir se você quiser ser o próximo Yan Gomes, o próximo Thyago Vieira. Acho que isso quebrará barreiras entre países, teremos atletas de outros países da região buscando vir ao Brasil por conta da presença diária dos técnicos”, afirmou o técnico do Brasil no World Baseball Classic de 2013 e 2017.
A frase do integrante do Hall da Fama encerra a discussão sobre as razões que proporcionaram o surgimento dessa brilhante geração do beisebol brasileiro e levanta a discussão que abordaremos na segunda reportagem especial: o que é possível esperar para o futuro? Como fica a relação entre as franquias, a MLB e o beisebol brasileiro? O recorde de jogadores brasileiros assinando contratos para atuar nos Estados Unidos será batido em breve?
*Notícia atualizada às 21h40 de 05/08/2017
(Fotos: Jamie Squire/Getty Images; Divulgação/ MLB; Koji Watanabe/Getty Images; Divulgação/ MLB; Gustavo Tomazeli/Rádio ESPORTESNET)