Futebol americano na primavera: ascensão e queda da USFL
Liga que desafiou o poder da NFL nos anos 80 contou com futuras estrelas, como Jim Kelly
Como você, fã incondicional da NFL, se sente naquele momento no início de fevereiro, quando o MVP do Super Bowl pega o Troféu Vince Lombardi, o papel picado cai no gramado e o narrador anuncia: “nos vemos em setembro”? Deve bater uma depressão, não? Pois saiba que, no início dos anos 80, essa abstinência dos fãs de futebol americano era sanada com… Futebol americano!
Ao longo da história de quase 94 anos, a NFL contou com várias ligas alternativas como concorrentes. A primeira de real impacto foi a American Football League (AFL), criada em 1960, que contava com mudanças significativas à época, como salários atrativos, nomes nas costas dos atletas e a aceitação sem limites de jogadores negros. Após 6 anos de concorrência, a NFL aceitou uma superfinal entre os campeões das duas ligas e assim, nasceu o Super Bowl, em 1967. Três anos depois, as duas ligas se fundiram em uma só.
No começo dos anos 80 no entanto, a NFL vivia, talvez, a maior crise de confiança da sua história. Uma greve adiou o início da competição em 1982, que fez a temporada regular contar com apenas nove jogos. Aproveitando esta onda David Dixon, fundador do New Orleans Saints, resolveu por em prática uma ideia que já vinha amadurecendo em sua cabeça: uma liga de futebol americano disputada durante a primavera, com altos salários e atletas universitários de ponta.
Durante dois anos, Dixon rodou pelos EUA em busca da criação de franquias. Após conseguir o aporte financeiro, ele anunciou em maio de 1982, a criação da United States Football League (USFL). A nova liga vinha com diversas mudanças nas regras, que a própria NFL aderiu logo depois. As mais impactantes foram: a criação da conversão de dois pontos após o touchdown, os desafios em algumas jogadas duvidosas, o two-minute warning e o limite salarial.
Outro nome que ajudou na expansão da USFL foi o empresário multimilionário Donald Trump. Impossibilitado de investir em uma franquia da NFL, ele viu na franquia de New York/New Jersey, os Generals, a oportunidade de aumentar o seu império, dentro do futebol americano. Com Trump à frente na Costa Leste, os patrocínios e o poder de convencimento das franquias explodiram.
Caso do Houston Gamblers, que pouco antes da temporada 1983 começar, assombrou o país ao tirar do Buffalo Bills sua escolha de primeira rodada no Draft da NFL daquele ano: um quaterback promissor e durão da Universidade de Miami, que atendia pelo nome de Jim Kelly, que, por incrível que pareça, não queria jogar em lugares frios, como Buffalo, naquela altura do campeonato.
A emissora aberta ABC assumiu as transmissões, ao lado de um canal com apenas dois anos de vida, a ESPN. O início do campeonato, na primavera de 1983, contou com boa audiência e boa média de público. A aquisição de jogadores universitários que nem se anunciaram elegíveis para o Draft, também aumentaram a qualidade dos jogos. A final de 1983, já no verão, contou com o Mile High Stadium, em Denver, lotado para ver a vitória do Michigan Panthers sobre o Philadelphia Stars.
O ano seguinte teve outra grande aquisição tirada das mãos da NFL. O quarterback Steve Young vinha para o Los Angeles Express, para buscar aumentar o público na Costa Oeste do país. A expansão de 12 para 18 cidades, porém, não aumentou a audiência e a média de público. Na final, os Stars bateram o Arizona Wranglers. Curiosamente, este é o único título de Philly na “era moderna” do futebol americano. Os Eagles jamais venceram o Super Bowl.
Em 1985, Donald Trump desejava mudar a duração da liga para o outono, buscando concorrência direta com a NFL. Só que a USFL não tinha mais essa força. Locais como Los Angeles, New Jersey e Tampa Bay, com franquias na NFL, não levavam mais tanto público. Além disso, a mudança de cidade de algumas franquias tirava a credibilidade dos times. Caso dos Stars, que saíram de Philadelphia e foram para Baltimore. Ali, eles conquistaram o bicampeonato.
A edição de 1986 estava seriamente ameaçada por dois motivos: a irredutibilidade de Trump em não querer que a liga continuasse na primavera e os processos da NFL, que aumentavam cada vez mais. Sem aporte, as emissoras desistiram da transmissão. Os astros foram para a NFL (Kelly mudou de ideia e assinou com o Bills, onde tornou-se uma lenda; já Young, assinou com os Buccaneers. Ele venceria o Super Bowl XIX com os 49ers). Em 1987, a liga foi oficialmente encerrada.
Se o final foi melancólico, a USFL proporcionou por três deliciosas primaveras, uma forma muito boa para o fã de futebol americano saciar sua sede pelo jogo. E deixou um legado para a liga com a qual quis concorrer.